sexta-feira, 10 de junho de 2016

Ei, Contador Público: a contabilidade está mudando... E você?




Lembro-me da época em que comecei a atuar no setor governamental, em meados de 2002, quando prestava serviços de consultoria a municípios baianos, buscando auxiliá-los a executar de maneira adequada o registro contábil e a confeccionar as prestações de contas mensais e anual nos moldes exigidos pelo órgão de controle externo responsável, o TCM-BA.

Como era marcante a cultura orçamentária naquele período. Preocupávamo-nos com a consistência da receita e da despesa orçamentária registradas, com a formalidade dos documentos comprobatórios dos atos de gestão, sempre à luz dos impactos orçamentários correlatos (empenhos prévios, liquidações respaldadas por documentos hábeis etc), com o acompanhamento periódico do resultado orçamentário.

Naquele tempo o enfoque residia no controle do fluxo de caixa projetado para o período de um ano, sempre atentando para os recursos que de fato ingressavam nos cofres públicos frente às despesas que se pretendia executar e que possuíam a devida e prévia autorização legal do parlamento. Aspectos patrimoniais estavam sempre em segundo plano porque a mentalidade até então era a de que, no setor público, importante mesmo era o controle do orçamento, dos gastos que os governantes realizavam frente às receitas arrecadadas, de como os tributos que a sociedade recolhe estavam sendo aplicados. Para que se preocupar com patrimônio?

Parecia que a contabilidade no setor público representava uma exceção às demais vertentes da Ciência Contábil, que desde sempre teve e tem como objeto o patrimônio das entidades por ela alcançadas e suas variações. Controlar o planejamento e a execução orçamentária é vital no âmbito governamental? Sem dúvidas, mas por causa disso o real objeto da Ciência Contábil deve ser relegado a segundo plano? De forma alguma.

Em determinado momento da história chegamos ao absurdo de questionar se os princípios de contabilidade deveriam ser aplicados no setor público. E o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), para dirimir a polêmica, editou, em 2007, a Resolução nº 1.111 (alterada pela Resolução CFC nº 1.367/11), tratando sobre a interpretação dos princípios de contabilidade sob a perspectiva governamental. Um passo importante tinha sido dado na seara pública rumo ao resgate do real objeto da contabilidade. Mas o ato normativo, por si só, não foi suficiente para alavancar uma mudança efetiva.

O processo de globalização da economia fez com que os mercados e governos passassem a acompanhar cada vez mais de perto os dados dos países com os quais mantinham ou pretendiam manter relações comerciais e esse foi o principal fator para que a contabilidade caminhasse para um processo de uniformização mundial, inicialmente no setor privado e, mais tardiamente na área pública. Como compreender as informações das mais variadas empresas e governos se os padrões de registro e evidenciação dos fatos contábeis de cada um seguiam as suas metodologias próprias?

Foi nesse contexto que, em 2008, o Ministério da Fazenda editou a Portaria nº 184, dispondo sobre as diretrizes a serem observadas no setor público quanto aos procedimentos, práticas, elaboração e divulgação das demonstrações contábeis, de forma a torná-los convergentes com as Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. O Brasil havia resolvido alinhar os seus procedimentos contábeis, adotando como referência as IPSAS (International Public Sector Accounting Standards), editadas pela IFAC (International Federation of Accountants), padrão amplamente aceito por grande parte dos demais países do globo.

Desde então os profissionais de contabilidade que atuam no setor público têm cada vez mais adentrado em um território até então pouco conhecido, o do patrimônio, ensejando a mudança de uma cultura de mais de 50 anos, que é a do orçamento, e que se faz presente desde a edição da Lei Federal nº 4.320/64. Ressalva-se que o controle do orçamento continuará a existir, mas os fatos independentes deste deverão ser capturados pela contabilidade, mesmo em caso de violações legais, consoante preconiza a máxima da “essência sobre a forma”, amparada pelo princípio da oportunidade.

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN), na qualidade de órgão central de contabilidade da federação (em função do disposto no Decreto nº 6.976/09), vem editando uma série de normativos, visando a convergência dos procedimentos atualmente praticados no Brasil aos padrões internacionais definidos pelas IPSAS, destacando-se como principais o MCASP (Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público) e as IPC’s (Instruções de Procedimentos Contábeis), sendo o primeiro de observância obrigatória, e as IPC’s, facultativas.

Importante ato editado pela STN foi a Portaria nº 548/15, que estabeleceu um plano de implantação dos procedimentos contábeis patrimoniais (PIPCP). Com ela, todos os órgãos e entidades públicos passam a ter prazos para a adoção de boas práticas contábeis de natureza patrimonial. Agora, mais do que nunca, os contadores públicos terão que depreciar, amortizar e/ou exaurir, reconhecer ativos e passivos pelo regime de competência, registrar ajustes e provisões, ativos intangíveis, mensurar e evidenciar os bens, inclusive de infraestrutura, dentre outras obrigações, sob pena dos Entes nos quais trabalham terem negado o aval da União para a obtenção de transferências voluntárias, caso descumpram o cronograma constante do PIPCP.

A mudança é uma realidade irreversível, tendo sido ainda mais fortalecida recentemente, com a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 229/2009, que estabelece normas gerais de contabilidade pública, dentre outros dispositivos, revogando integralmente a Lei nº 4.320/64 e passando a representar o novo marco legal das finanças públicas brasileiras, caso venha a ser aprovado pela Câmara dos Deputados e sancionado pela Presidência. O projeto encontra-se alinhado às normas internacionais, tendo dele participado de forma ativa a STN e o CFC.
 
A contabilidade no setor público caminha a passos largos rumo à adoção das melhores práticas internacionalmente reconhecidas, exigindo dos profissionais da área permanente atualização, proatividade e disciplina para a sua escorreita aplicação, afinal, sem contadores devidamente preparados, jamais alcançaremos o resultado esperado. Como disse Sêneca, “não há vento favorável para quem não sabe onde quer chegar”. Mas não devemos ficar reféns do vento. Façamos todos a nossa parte! A teoria está sendo aperfeiçoada. Vamos todos caminhar juntos com ela.
 
Escrito por: Jorge de Carvalho (Auditor do TCM-SP)
 
 

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