Por: Jorge de Carvalho¹
Mais um ciclo de governos municipais se inicia nas Prefeituras e Câmaras de todo o país em 2021 e, com ele, o receio de que políticas públicas até então em execução sejam descontinuadas, que a inexperiência de equipes do alto escalão maciçamente reformuladas ocasionem erros e letargia nas decisões administrativas e que os beneficiários finais dos serviços públicos, os cidadãos, sejam negativamente afetados por causa de uma transição governamental desajustada e apressada, agravada pela realização tardia das eleições em 2020 por conta da pandemia da Covid-19.
Infelizmente esse é um cenário previsível em muitas gestões municipais, um filme já assistido pela população há tempos e que vem sendo reprisado a cada quatro anos. A descontinuidade administrativa tem sido a tônica em boa parte das comunas do Brasil e encontra vários fatores como causas, cabendo destacar: a inexistência de carreiras estruturadas formadas por servidores de cargo efetivo em áreas-chave das organizações, a visão de governo (curto prazo) e não de Estado (longo prazo) dos novos gestores e as deficiências estruturais dos controles internos.
Esse último fator merece atenção especial, pois a implementação e adequado funcionamento dos controles internos em ambiente governamental deriva de mandamento constitucional², presente, portanto, há mais de três décadas no nosso ordenamento jurídico pátrio.
Mas o que vem a ser esse tal controle interno e qual a sua importância no contexto do setor público? Um estudo desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2009 com o título “Critérios Gerais de Controle Interno na Administração Pública” define o controle, em termos genéricos, como uma ação tomada com o propósito de se certificar que algo seja cumprido de acordo com o que foi planejado, cuja existência só tem significado e relevância se houver riscos de que os objetivos pactuados não sejam alcançados.
Logo, controles internos satisfatoriamente desenhados devem ser direcionados à mitigação de riscos que possam afetar a concretização dos objetivos do Estado, em sentido amplo. Como a atuação estatal é significativamente variada, os controles também devem ter alcance diversificado, priorizando sempre riscos inerentes de maior escala (ou seja, de maior probabilidade e impacto).
É por isso que uma boa estrutura de controles internos deve ser delineada, minimamente, nas dimensões estratégica e operacional (aspectos relacionados aos objetivos primordiais das organizações), bem como nas áreas de comunicação e de conformidade (compliance), pois além de disponibilizar para a sociedade bens e serviços de qualidade, os governos devem, de forma inafastável, prestar contas da sua atuação e ser transparentes, já que utilizam como fonte de financiamento primária os tributos recolhidos dos cidadãos e empresas.
Em que pese não existir legislação nacional que normatize a estrutura dos controles internos para todos os entes federados, estudos capitaneados pelo Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci)³ sinalizam a importância de atuação em quatro macrofunções:
- ouvidoria: objetiva fomentar o controle social e a participação popular, por meio do recebimento, registro e tratamento de denúncias e manifestações do cidadão sobre os serviços prestados e a adequada aplicação de recursos públicos, com foco na melhoria da sua qualidade, eficiência, resolubilidade, tempestividade e equidade;
- controladoria: tem por finalidade orientar e acompanhar a gestão governamental para subsidiar a tomada de decisões a partir da geração de informações, de maneira a garantir a melhoria contínua da qualidade do gasto público;
- corregedoria: visa apurar os indícios de ilícitos praticados no âmbito da administração pública e promover a responsabilização dos envolvidos, por meio da instauração de processos e adoção de procedimentos, voltados inclusive ao ressarcimento do erário, nos casos em que houver dano; e
- auditoria: função destinada a avaliar os controles internos administrativos dos órgãos e entidades, examinar a legalidade, legitimidade e aferir os resultados da gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial quanto à economicidade, eficiência, eficácia e efetividade, bem como da aplicação de recursos públicos por pessoas físicas e jurídicas.
Estas atividades guardam correlação com os componentes presentes em um modelo mundialmente aceito, delineado pelo Comitê das Organizações Patrocinadoras da Comissão Treadway (Coso, na sigla em inglês): ambiente de controle, avaliação de riscos, atividades preventivas e detectivas de controle, informação e comunicação e monitoramento. Devem permear toda a estrutura administrativa dos órgãos, sendo, portanto, responsabilidade de todo o corpo funcional, mas com a supervisão de uma unidade central que auxiliará o seu desenho e implementação, bem como avaliará seu funcionamento, por meio de auditorias.
Estruturas de controle com esta envergadura, ajustadas às peculiaridades de cada Município tomando por base avaliações de riscos locais, podem contribuir decisivamente para a execução das políticas públicas, para a conformidade dos atos de governo ao regramento normativo vigente e para a devida prestação de contas.
Assim, o controle interno deve estar na agenda dos novos prefeitos e presidentes de câmaras municipais desde o primeiro dia de suas gestões, competindo a estes apoiar a cultura de comportamento ético e responsável em todo o aparelhamento estatal, estabelecer estruturas de governança apropriadas e, com isso, conceder o indispensável suporte às unidades de controle em termos de autonomia e recursos para o pleno desenvolvimento de suas atribuições.
A sedimentação do controle interno na cultura organizacional dos Poderes Executivo e Legislativo municipais é crucial para que as mudanças de governos decorrentes do pleito eleitoral não provoquem descontinuidade no atendimento dos interesses sociais legítimos e que os objetivos estratégicos de longo prazo das instituições públicas prevaleçam independentemente dos ciclos administrativos quadrienais. Controlar é preciso!
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¹ Jorge de Carvalho é Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Contador graduado pela Uneb, especialista em gestão pública municipal, contabilidade governamental, direito público e controle municipal. Coautor de livros sobre auditoria e contabilidade aplicada ao setor público.
² Constituição Federal, art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
³ Panorama do controle interno no Brasil – 2017 (3ª edição)
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