sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Especialistas condenam mecanismo para melhorar superávit.



A “manobra orçamentária” que o governo federal realizou para alcançar a meta do superávit primário, divulgada no dia  08/01/2014 pelo Contas Abertas, gerou críticas de especialistas da área. Os restos a pagar processados e não processados inscritos pelo governo no Orçamento de 2014 alcançam R$ 218,3 bilhões, alta nominal de 23,6% em relação ao ano anterior. Entre janeiro e novembro de 2013, a despesa primária do governo avançou em ritmo menor, de 14%.

Conforme publicação do jornal Valor Econômico, que participou da apuração dos números com o Contas Abertas, para economistas e especialistas em contas públicas, a continuidade do crescimento dos restos a pagar, que formam uma espécie de orçamento paralelo, é mais um elemento que tira transparência da política fiscal e que tende a resultar em pressões sobre o orçamento de 2014.

Apesar de representar compromissos futuros do governo, o montante de restos a pagar não é considerado no cálculo da Dívida Líquida do Setor Público, feito pelo Banco Central. É o que afirma José Roberto Afonso, especialista em contas públicas e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para Afonso, os restos a pagar, em si, não são um problema, por se tratarem de um mecanismo legal. “O problema é usar e abusar desse expediente. Restos a pagar de R$ 200 bilhões são qualquer coisa, menos restos. É um atentado à língua portuguesa”, brinca.

Afonso afirma ainda que apesar de a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mandar contabilizar os restos a pagar como dívida, como faz o Tesouro Nacional, o cálculo da dívida líquida feito pelo BC, e monitorado por economistas, não toma como base a contabilidade pública, e por isso ignora o volume e o aumento dos restos a pagar. “Esse cálculo considera apenas a dívida bancária e a mobiliária – ou seja, é baseado apenas no que se sabe no sistema financeiro.”

Quando a conta começou a ser divulgada, nos anos 80, os restos a pagar eram irrisórios, mas desde então a rubrica virou uma “distorção”. Mesmo assim o procedimento não mudou. “É contraditório que, no caso das empresas estatais, sejam computadas dívidas junto a fornecedores – o BC pede isso ao Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (DEST), até porque não é uma informação bancária – mas não pede o mesmo ao Tesouro, embora o dado exista e seja público”, afirma.

Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também critica o volume alcançado pelos restos a pagar, que ajudam a elevar o resultado primário do governo, mas têm impactos sobre os anos posteriores. Em sua avaliação, é possível que atrasos em obras gerem restos a pagar em investimentos, por exemplo, mas outras despesas correntes também estão sendo postergadas.

Em um ano de aumento da taxa básica de juros e crescimento do crédito direcionado, as despesas do governo federal com subsídios e subvenções econômicas tiveram queda de 8% de janeiro a novembro de 2013. “É claro que esses subsídios não estavam sendo pagos. O governo tem flexibilidade, porque o credor são os bancos públicos”, afirma. Para Mansueto, se esses subsídios estivessem sendo pagos, o superávit primário seria menor do que o divulgado

A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Margarida Gutierrez, também destacou que o uso de restos a pagar, que hoje formam quase um orçamento paralelo, “são táticas para engordar o superávit primário”.

Os restos a pagar processados (quando o gestor já verificou a execução do serviço e liquidou a despesa, faltando apenas o pagamento) inscritos para 2014 são da ordem de R$ 33,5 bilhões, um aumento de 27% em termos nominais, o que para o governo está “dentro da normalidade observada em outros anos”. O crescimento, no entanto, ficou bem acima da variação observada entre 2011 e 2013, quando essa conta aumentou, em média, 5%.

Para Margarida, o problema do grande volume de restos a pagar deixados para 2014 é o efeito sobre o Orçamento deste ano. Como essa postergação de despesa entrou no cálculo do superávit primário do governo central do ano passado, de R$ 75 bilhões, o governo precisará usar receitas de 2014 para cobrir os pagamentos devidos. “Neste ano, o governo terá que tirar receitas novas de algum lugar para honrar compromissos”, diz. Para a professora, esse tipo de medida tira credibilidade da política fiscal, que atualmente é a principal fragilidade da economia brasileira. De acordo com Flavio Serrano, economista-sênior do BES Investimento, o governo tem se prendido a números, mas deixa de lado a qualidade da política fiscal.

O superávit primário do ano passado teve forte contribuição de receitas extraordinárias, mas o esforço fiscal recorrente foi pequeno e a despesa continuar a avançar mais que o PIB, pressionando a demanda.

De acordo com o economista Gil Castello Branco, a maquiagem que tem sido feita nas contas públicas pelo governo federal por meio dos restos a pagar deve ser motivo de preocupação dos órgãos de controle. “A Controladoria-Geral da União, o Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, e até mesmo o Conselho Federal de Contabilidade, devem estar atentos e tomar providências em relação às manobras que inflam artificialmente o superávit primário, mascarando o resultado do exercício e prejudicando o subsequente”, conclui.

Fonte: Organização Contas Abertas (Com informações do jornal Valor Econômico)

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