A nove meses das eleições, na qual serão escolhidos o presidente da República e os 27 governadores, o país depara-se novamente com um problema que tem se tornado crônico: a falta de capacidade dos governos estaduais e municipais para elaborar projetos que promovam o desenvolvimento ou que resolvam problemas simples, como as enchentes que se sucedem ano após ano. Uma consulta feita pelo Correio em três pastas — Turismo, Cidades e Justiça — mostrou que, entre 2008 e 2012, quase R$ 4 bilhões disponibilizados pelo governo federal a governadores e prefeitos voltaram aos cofres do Tesouro Nacional porque os demais entes federados tiveram problemas técnicos e não apresentaram propostas para aplicar esses recursos.
Esse montante representa 20% do orçamento anual do Bolsa Família, o programa de transferência de renda do governo federal e um dos principais sustentáculos do êxito petista nas urnas na última década. E os problemas que levam ao bloqueio dessas verbas são múltiplos. À eterna burocracia, que exige um amontoado de papeis e rubricas oficiais para justificar a liberação das verbas, normalmente pela Caixa Econômica Federal (CEF), somam-se a falta de pessoal preparado em municípios mais carentes — justamente aqueles mais dependentes de obras e de recursos públicos — a ausência de diálogo entre a União e os demais entes federados, a falta de licenciamentos ambientais ou problemas para elaboração das licitações.
Essas questões geram desgastes para os governantes e transtornos para os cidadãos e eleitores: cidades que sofrem com sucessivas enchentes; falta de segurança pública e presídios superlotados; ausência de pontos turísticos adequados e áreas para a prática de esporte e lazer; estrangulamento na mobilidade e ausência de moradias para atender o crescimento da população. E fazem com que, muitas vezes, prefeitos e governadores fiquem reféns de empresas, nem sempre confiáveis, que se apresentam para fazer os projetos e cobrar preços exorbitantes aproveitando-se da emergência da situação.
Convidado a dar uma palestra em um seminário sobre governança patrocinado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o vice-presidente do Senado e ex-governador do Acre, Jorge Viana (PT), afirmou que o Brasil está muito atrás de outros locais do mundo, nos quais os projetos andam mesmo quando os governantes são ruins. "Aqui nós ainda ficamos muito dependentes de um ou outro nome de destaque para trazer um novo fôlego para administração. Mas a grande maioria das cidades enfrenta problemas", reconheceu.
Viana destacou que os estudos recentes sobre o tema mostram que a governança se sustenta em um tripé: boas ideias, governabilidade e capacidade para governar. "São três variáveis difíceis de serem reunidas. Não adianta grandes iniciativas se não existir governabilidade para colocá-las em prática. E se o governante tiver apoio político, ideias inovadoras e não tiver profissionais capacitados para tocar os projetos, também não sai do lugar", afirmou Viana.
Deficit habitacional
Questionada há duas semanas por ter devolvido aos cofres federais R$ 15,5 milhões destinados à construção de presídios, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), é o exemplo mais recente desse problema. Mas Roseana não está sozinha. Nos últimos 10 anos, o Ministério da Justiça recebeu de volta R$ 187 milhões destinados exclusivamente à construção de novas unidades prisionais e reformas dos estabelecimentos já existentes, em um país com carências de vagas e um potencial explosivo de rebeliões, como mostrou o Correio nas últimas semanas.
Entra ano, sai ano, sucedem-se os governantes, de diversos partidos, e as cidades sofrem com as chuvas que provocam cheias dos rios. Entre 2007 e 2010, o Ministério das Cidades foi obrigado a cancelar contratos de parceria na área de saneamento, no valor de R$ 334,7 milhões, por problemas nas especificidades técnicas dos projetos. Apesar do ainda gigantesco deficit habitacional do país, R$ 3,17 bilhões direcionados para o setor simplesmente voltaram aos cofres do Tesouro Nacional por impossibilidade na sua aplicação. Outros R$ 12,7 milhões sofreram o mesmo destino nas áreas de acessibilidade e programas urbanos.
Um ministro ouvido pelo Correio reconheceu que o Brasil sofre atualmente pelos erros de avaliação feitos durante o período de transição do regime militar para os governos civis. "Durante os anos da ditadura, o Ministério do Planejamento era forte. Por lá passaram nomes com o gabarito de José Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen. Quando houve a transição, o planejamento centralizado passou a ser encarado como um entulho autoritário. E não conseguimos ainda recuperar esse erro estratégico", admitiu um ministro que sofre com o problema da falta dos projetos.
Para o ex-presidente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap, o governo federal deveria dar um auxílio mais direto aos prefeitos. "Da mesma maneira que existe hoje uma força tarefa para detectar irregularidades, a mesma coisa deveria ser feita para auxiliar na elaboração dos projetos", defendeu.
Isoladamente, isso já é feito em pastas como a Justiça e o Turismo. Nessa última, um esforço feito em janeiro de 2013 conseguiu reduzir a perda de R$ 400 milhões para R$ 68 milhões. Outros ainda estão pendentes e precisam ser regularizados até junho. Caso contrário, R$ 675 milhões deixarão de ser aplicados em um país que se prepara para receber a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016.
R$ 3,17 Bilhões
Valor devolvido destinado a obras habitacionais que ficaram sem aplicação por causa de problemas técnicos
Os gargalos
Confira os problemas que impedem a liberação dos recursos
Burocracia
O governo federal e a Caixa Econômica Federal estabeleceram uma série de regras e parâmetros para serem seguidos pelas prefeituras e governos estaduais para a liberação dos recursos
Falta de preparo
As prefeituras, sobretudo das cidades mais carentes, não dispõem de quadros técnicos preparados para elaborar os projetos. A situação se agrava pela multiplicação de cidades a partir do desmembramento de outras já existentes
Problemas de licenciamento
As obras no Brasil esbarram na necessidade de obtenção de sucessivas licenças, sobretudo as ambientais. A pressão dos grupos organizados e das ONGs também dificulta a conclusão das obras
Dificuldades na licitação
Além de não conseguir elaborar os projetos, as prefeituras também têm dificuldades em definir regras para licitações.
Fonte: Correio Braziliense
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