domingo, 3 de março de 2013

Receitas públicas, mas... Orçamentárias, patrimoniais ou ambas?!?!

Por: Prof. Jorge de Carvalho



Recentemente estive em uma determinada academia participando de um processo seletivo para contratação de professores substitutos e uma das etapas do certame era a realização de prova didática. Uma das disciplinas para a qual concorria, como não poderia ser diferente, era Contabilidade Aplicada ao Setor Público e, como o tema era livre, escolhi falar sobre receitas públicas, dispondo de 25 (vinte e cinco) minutos para ministrar a minha aula.

A banca examinadora era formada por três professores de alta titulação e, ao final da minha apresentação, cada um deles teceu comentários acerca do meu desempenho, enquanto professor. Chamou-me a atenção a observação realizada por um dos docentes, o qual ponderou que o ponto baixo da minha aula havia sido a confusão proporcionada entre “receitas orçamentárias” e “receitas patrimoniais” e que o referido examinador não havia conseguido distinguir, durante a minha fala, em que momento eu tratava de uma ou de outra receita.

Nesse ínterim, faz-se necessário esclarecer preliminarmente que, dentre as diferenças existentes entre a Contabilidade Aplicada ao Setor Público e a Contabilidade Societária, destaca-se o tipo de sistema contábil adotado por cada um desses ramos da Ciência Contábil, para registro dos atos e fatos praticados no âmbito das entidades às quais se aplicam.

O sistema contábil no setor governamental estrutura-se nos seguintes subsistemas:

- Subsistema de Informações Orçamentárias: registra, processa e evidencia os atos e fatos relacionados ao planejamento e à execução orçamentária, tais como orçamento, programação e execução orçamentária, alterações orçamentárias e resultado orçamentário;

- Subsistema de Informações Patrimoniais: registra, processa e evidencia os fatos financeiros e não financeiros relacionados com as variações do patrimônio público, subsidiando a administração com informações, tais como alterações nos elementos patrimoniais, resultado econômico e resultado nominal;

- Subsistema de Custos: registra, processa e evidencia os custos da gestão dos recursos e do patrimônio públicos, subsidiando a administração com informações tais como custos dos programas, dos projetos e das atividades desenvolvidas, bom uso dos recursos públicos e custo das unidades contábeis;

- Subsistema de Compensação (Controles Diversos): registra, processa e evidencia os atos de gestão cujos efeitos possam produzir modificações no patrimônio da entidade do setor público, bem como aqueles com funções específicas de controle, subsidiando a administração com informações tais como alterações potenciais nos elementos patrimoniais e acordos, garantias e responsabilidades.

De logo, verifica-se que as informações abrangidas por cada um dos subsistemas citados são diferentes, ou seja, os registros efetuados em um subsistema visam evidenciar determinado resultado ou situação que não se confunde com as informações registradas em outro subsistema distinto. Uma informação de natureza orçamentária proporcionará uma análise quanto ao planejamento e/ou execução do orçamento público, enquanto uma informação de natureza patrimonial permitirá outra abordagem, desta vez quanto à composição do patrimônio público e suas alterações.

Segundo o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público, os ingressos de recursos financeiros nos cofres do Estado, em sentido amplo, denominam-se receitas públicas, registradas como receitas orçamentárias quando representam disponibilidades de recursos financeiros para o erário, ou ingressos extraorçamentários, quando representam apenas entradas compensatórias.

Portanto, poderemos verificar, no setor público, as seguintes situações, relacionadas às receitas públicas e respectivos registros nos subsistemas contábeis apropriados*:

1.      Receitas Orçamentárias e Patrimoniais Aumentativas: ingressos de recursos no erário público que viabilizarão a execução das políticas públicas e que, concomitantemente, provocarão um aumento na situação líquida patrimonial da entidade (fato contábil modificativo). Ex.: receitas de impostos, com recebimento concomitante à ocorrência do fato gerador (regime de caixa):

 

Subsistema Orçamentário
Subsistema Patrimonial
D - Receita a Realizar
C - Receita Realizada
D – Banco
C - Var. P. Aumentativa

 

2.      Receitas Orçamentárias e Patrimoniais Permutativas: ingressos de recursos no erário público que viabilizarão a execução das políticas públicas mas que, concomitantemente, não provocarão um aumento na situação líquida patrimonial da entidade (fato contábil permutativo). Ex.: receitas de alienação de bens móveis, com recebimento concomitante à ocorrência do fato gerador (regime de caixa):

 

Subsistema Orçamentário
Subsistema Patrimonial **
D - Receita a Realizar
C - Receita Realizada
D – Banco
C – Bens Móveis

**Nesta situação não temos uma receita sob a ótica contábil, pois não há impacto na situação líquida patrimonial.

 

3.      Receitas Patrimoniais e Não-Orçamentárias: fatos contábeis que provocam acréscimo na situação líquida patrimonial, mas cuja arrecadação dos recursos ainda não ocorreu, não havendo, portanto, registro no susbsistema orçamentário, em razão do disposto no art. 35 da Lei Federal nº 4.320/64. Ex.: registro do crédito a receber decorrente da prestação de serviço público (regime de competência):

 

Subsistema Orçamentário
Subsistema Patrimonial *
- - -
- - -
D – Crédito a Receber
C – Var. P. Aumentativa

*Nesta situação não se verifica qualquer registro no susbsistema orçamentário, pois não houve entrada de recursos financeiros em banco/equivalentes de caixa.

 

*Obs.: os exemplos não tratam dos registros no subsistema de compensação, haja vista a abordagem direcionada à questão “orçamento x patrimônio.”

Dessa forma, resta evidente que os registros contábeis em cada subsistema de escrituração devem guardar compatibilidade com a natureza do fato incorrido e que orçamento e patrimônio não se confundem, justamente por propiciarem informações distintas aos diversos interessados. Haverá situações em que uma receita pública será registrada simultaneamente em ambos os subsistemas e outras em que ocorrerá a escrituração em apenas um.

O que deve ficar claro para o estudante ou para os interessados de outras áreas da contabilidade, que não possuam familiaridade com a vertente aplicada ao setor público, é que, nesta última, verifica-se a presença obrigatória do orçamento, ensejando registros adicionais àqueles comumente praticados no âmbito da contabilidade societária.

Enfim, receita pública, sob o enfoque moderno, pode ser apenas patrimonial, apenas orçamentária sob a ótica da ciência contábil (considerando como receita apenas os fatos que provocam aumento na situação líquida patrimonial) ou até mesmo ambas as coisas. Depende da natureza do fato incorrido.

E, para a minha surpresa, quando da publicação do resultado da prova didática aplicada pela academia, acabei recebendo nota máxima pela minha apresentação. Mesmo com toda a “confusão orçamentária e patrimonial”.

3 comentários:

  1. Adorei..vc como sempre....Nasceu pra isso>>>>
    Contabilidade pública pura...RSsss
    Muitas saudades de vc, viu? Um grande abraço, muita luz, força e mais sucesso!!!!
    Continuo na CGM, só que dessa vez na de Salvador....Até mais...

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    1. Olá Bárbara, obrigado pelos elogios.

      Que bom que você está na Controladoria de Salvador. Desejo que você tenha muito sucesso na sua empreitada por aí.

      Abraços e saudações.

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