quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Artigo: Levando os Tribunais de Contas a sério.


Surgidos no interior da estrutura do Poder Executivo, pouco antes da Constituição republicana de 1891, os Tribunais de Contas foram definidos por Ruy Barbosa, entusiasta de sua criação, como “corpo de magistratura intermediária [...] que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil”.

Passados os anos e algumas ordens constitucionais, os Tribunais de Contas vêm se consolidando como das mais visíveis instâncias de controle externo da gestão pública nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. A Constituição Federal vigente estruturou um esquema institucional caracterizado pela ênfase na dispersão do poder. Assim, ao lado da fórmula clássica da separação dos poderes, o texto constitucional prevê o fortalecimento da autonomia de outros órgãos, tais como o Ministério Público e os Tribunais de Contas. Nada mais republicano.

Embora carreguem uma expressão comumente atribuída aos órgãos colegiados jurisdicionais, os Tribunais de Contas não integram o Poder Judiciário e hoje se encontram fora do Poder Executivo. Além disso, apesar de o texto constitucional os situar como auxiliares do Poder Legislativo, com este não se confundem nem se submetem.

Munidos de graves competências constitucionais e legais, que os permitem fiscalizar a atuação dos gestores públicos e de todo aquele que receber verbas públicas, aplicar multas e sanções administrativas, sustar contratos administrativos, suspender obras públicas e apurar denúncias que lhes forem encaminhadas, os Tribunais de Contas ficaram ainda mais em evidência com o advento da Lei da Ficha Limpa, que prevê como hipótese de inelegibilidade a decisão irrecorrível, ali proferida, que rejeitar as contas por irregularidade insanável que se enquadre em ato doloso de improbidade administrativa. Daí porque as listas dos gestores públicos, que tiveram suas contas rejeitadas, tenham merecido tanto destaque no noticiário político.

Importa aqui ressaltar que, diferente do Poder Judiciário, não há instância recursal autônoma no contencioso administrativo dos Tribunais de Contas. De outro lado, a sua complexidade procedimental foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal, que assentou jurisprudência no sentido de que fosse integrado a esses órgãos de controle outro qualificado ator institucional – um Ministério Público especializado e apartado do Ministério Público comum.

Acrescente-se, ainda, que embora a atuação das Cortes de Contas não seja imune ao reexame do Poder Judiciário, este tem preferido tomar o caminho da autocontenção sobre o mérito das decisões ali emitidas, admitindo, no mais das vezes, exercer apenas um controle de legalidade e sobre aspectos formais. Logo, as decisões emanadas dos Tribunais de Contas, seja pelas consequências que produzem, seja pelos limites sobre sua revisão, devem primar pela consistência técnica, robustez de provas e coerência interna, insulando-se do jogo e do jugo político. O contrário significa irracionalidade, imprevisibilidade e insegurança jurídica.

A pergunta que se faz, então, diante da inegável autonomia conquistada pelas Cortes de Contas, reclamada originalmente por Ruy Barbosa, é a seguinte: quem controla o órgão de controle? Importante buscar respostas, uma vez que os Tribunais de Contas devem ser levados a sério, tanto por aqueles que lhes são fiscalizados, quanto pela população e demais instâncias de poder, sobretudo no que diz respeito ao critério de escolha de seus membros e ao padrão das decisões que ali são proferidas.

Uma tentativa de resposta mais direta tramita no Congresso Nacional – a PEC nº 28/2007, que pretende criar o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, ao qual caberia o controle administrativo e financeiro dos Tribunais de Contas e do cumprimento dos deveres funcionais dos conselheiros, auditores e representantes do Ministério Público de Contas. A ver.

Tarcísio Menezes - Mestre em Direito Público, professor de Direito Constitucional na Unijorge / Texto publicado na coluna Opinião do Jornal A TARDE, na edição de 09.08.2012

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