Este artigo analisa os riscos de corrupção e ineficiência a partir de evidências sobre o desdém dos gestores locais pela função Controle Interno, ou seja, pelo planejamento e controle dos riscos e consequências de suas escolhas, com base em dados de Santa Catarina.
No Brasil, a função Controle Interno é dever do Gestor Público, com base na Lei 4.320/1964, reforçada pelo Decreto-Lei 200/67, vigentes até hoje. A Constituição Cidadã de 1988 fortaleceu o Sistema de Controle Interno (SCI) e suas competências. A partir de 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tornou-se obrigatória a criação de Unidades de Controle Interno (UCI) em todos os órgãos de todos os poderes e esferas de governo. De lá pra cá, muitas novas leis surgiram, acrescentando competências similares às já realizadas pela Unidade Central do SCI, aumentando assim a complexidade das tarefas e responsabilidades da Controladoria Interna. Auditoria, controle orçamentário, financeiro e patrimonial, transparência, ouvidoria, acesso à informação, análise de processos e emissão de pareceres mil, são apenas algumas atividades agregadas ao longo dos anos.
O desdém dos prefeitos por controles sobre suas escolhas
A lei não estabeleceu um tamanho mínimo necessário para essa UCI. Ela não diz quantos auditores deve haver, nem que percentual do orçamento mínimo deve ser aplicado no SCI, por exemplo. Isso depende dos riscos, tamanho, complexidade de cada órgão, o que deve ser monitorado e reavaliado periodicamente.
Mas, na esfera local, não há evidências de que a grande maioria desses municípios façam qualquer análise de riscos de corrupção. Alguns municípios estão inovando com a implementação de Programas de Integridade e Compliance, como Navegantes, Itajaí, Blumenau e Joaçaba, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), que cumpre as mesmas competências legais no poder executivo federal. Mas é minoria. Dados de 2019 do MPSC apontam que a maioria dos prefeitos municipais optou por implantar apenas o mínimo, designando, por exemplo, só 1 pessoa para cumprir as funções obrigatórias.
É de se pensar que, com o aumento das demandas e, ainda mais, em meio à pandemia de COVID-19, com compras emergenciais, alto risco de corrupção e quase 90.000 mortos pelo país, devem ter sido direcionados mais servidores para o controle interno, certo? Errado. Todas as funções, competências e atividades da área continuam acumuladas em uma só pessoa, em quase 80% das prefeituras, no caso de Santa Catarina, que gastam milhões por ano e têm entre 150 e 10mil funcionários. Esses excelentes profissionais se desdobram e frequentemente são chamados de Posto Ipiranga da administração local. E não dão conta.
Você sabia…
Que nem Florianópolis nem Joinville, as cidades mais populosas do Estado, têm o cargo de Auditor Interno, assim como maioria das cidades catarinenses? Eles até têm mais pessoas na UCI em relação aos menores, mas são todos de outras áreas e cargos, que vivem apagando incêndios, não têm autonomia, recursos nem independência funcional. Imagine as pequenas cidades. Esse cargo tão importante deve ser preenchido por um profissional qualificado, valorizado, contratado por concurso e com salário digno. Por que não adianta pagar R$ 10.000 ou R$ 20.000 a uma dúzia de fiscais da Arrecadação, e só R$ 3.000,00 ao único fiscal da Despesa. É desigual, e claro que em algum momento isso dá problema.
Mas os prefeitos parecem não dar bola para os riscos de corrupção, desperdício, ineficiência ou simplesmente as muitas oportunidades de erro humano. Em SC, 80% dos prefeitos continua com apenas uma pessoa cuidando de todo ou controle, ou seja, escolhem não controlar mesmo. Os poucos que deixam 2 ou mais pessoas na área são as cidades maiores, muitas que já passaram por problemas de corrupção. Ainda assim, 1 em cada 4 desses servidores não fizeram concurso, estão ali por indicação direta do próprio prefeito a quem deveriam controlar.
Vai funcionar?
Claro que não! Em junho passado o STF decidiu que os órgãos precisam ter auditores concursados nessa área. E os prefeitos providenciarão isso? Mais uma vez… claro que não! A não ser que a população exija mais controle e integridade de seus gestores, exigindo que criem o cargo e façam concurso urgente para pelo menos 1 Auditor Interno, o que já dobraria a capacidade de trabalho na maioria dos municípios. Isso porque ter ou não ter Controle não é escolha do gestor, é dever constitucional, portanto direito do povo, do cidadão que paga seus impostos e merece ver o dinheiro bem aplicado e bem controlado. O controle não é do prefeito, é da prefeitura.
Então como exigir reforço da estrutura de Controle Interno em momento de crise, como essa pandemia? E para o futuro? Ora, na verdade isso só reforça nosso atraso em dar ao controle público a atenção que deveríamos. Tantos casos de corrupção no Brasil durante a emergência sanitária só evidenciam que o controle falha, mas não por culpa dos poucos controladores internos, nos municípios, e sim pela total falta de condições mínimas de agir.
Custa tão pouco, e dá lucro!
Não dá para aceitar a desculpa de que não se pode gastar, que falta dinheiro. Dados da Controladoria-Geral da União indicam que para cada R$1 investido em Controle Interno, é possível deixar de gastar ou recuperar mais de R$14. Esses números só crescem. A média de retorno da CGU foi de R$ 5,10 por Real entre 2012-2018, R$ 8,37 em 2018 e R$ 14,20 em 2019.
É hora de investir em Controle, de gerar eficiência nos gastos dos já escassos recursos disponíveis, de contratar um Auditor e demitir algum comissionado indicado político. Ou seja, controle é investimento, não é gasto. Controle só incomoda quem quer dar jeitinho, dá segurança ao bom gestor e muito resultado!
Ou será que os prefeitos estão satisfeitos com os seus resultados? Parece que os cidadãos não, mas isso as urnas em breve dirão.
Fonte: Blog Gestão, Política & Sociedade do Estadão (publicado em 06/08/2020)