A sucessão de escândalos com dinheiro público que drenam recursos escassos, decorrentes da contribuição de todos, desviados de políticas públicas para a satisfação de interesses privados escusos, gera indignação popular.
A atestar a inaceitável dimensão da corrupção basta conferir o mais recente indicador da Transparência Internacional, no qual o Brasil ocupa desconfortável posição, apesar de estar entre as 10 maiores economias mundiais, em claro descompasso entre o protagonismo econômico nacional e o descalabro ético.
Além do gravíssimo caso nos altos escalões, conhecido como mensalão, surge agora episódio danoso ainda maior, cujo prejuízo ao erário já se estima na casa dos bilhões de reais, a afetar a maior estatal brasileira, situação confessada em delações premiadas e evidenciada pela prisão de ex-diretores e de executivos de grandes empresas privadas, inclusive ensejando abertura de investigações e aplicação de multas no exterior. Vergonha nacional.
De outra perspectiva, a Constituição de 1988, além de ampliar a proteção aos direitos fundamentais e modelar o Estado Democrático de Direito, reforçou temas e diretrizes essenciais para uma organização estatal condizente com os postulados republicanos, dos quais vale realçar a promoção da transparência e a valorização do controle da atividade administrativa, estipulando um duplo mecanismo fiscalizatório do uso dos recursos públicos, com uma dimensão externa e outra interna.
A transparência na gestão pública foi intensificada pelo acréscimo de novas leis, como a de responsabilidade fiscal, a de transparência e a de acesso à informação, normas que enfrentam resistências burocráticas calcadas na cultura do autoritarismo, do segredo e da irresponsabilidade.
O combate à corrupção também contou com regras adicionais, a exemplo da que sanciona os atos de improbidade administrativa, de 1992, e a mais recente, de 2013, a chamada lei anticorrupção ou da empresa limpa, a estabelecer procedimento punitivo de pessoas jurídicas por ilícitos praticados em detrimento do patrimônio coletivo.
Ainda que possa comportar críticas pontuais de juristas, a inovação legislativa ataca a prevalência da impunidade e cumpre convenções internacionais em vigor.
Constata-se, ainda, sensível aperfeiçoamento institucional, perceptível no campo do controle externo –por meio do maior rigor na atuação dos Tribunais de Contas, do reconhecimento do Ministério Público, da atuação independente do Poder Judiciário e da crescente articulação da sociedade civil– e no âmbito do autocontrole da Administração.
Isso acontece graças ao fortalecimento dos órgãos centrais de controle de todo o país, reunidos no Conselho Nacional de Controle Interno (CONACI), bastando lembrar da trajetória ascendente da CGU (Corregedoria Geral da União), que passou a integrar a Presidência da República em 2001, sendo seu titular ministro de Estado, estruturalmente ampliada em 2002, por meio do decreto nº 4.177, que lhe transferiu a Secretaria Federal de Controle Interno e a Comissão de Coordenação de Controle Interno.
Tendo assumido a denominação de Controladoria em 2003, a CGU chega aos dias atuais com resultados expressivos no zelo pela legalidade e na responsabilização por condutas indevidas.
Eis o paradoxo da atual quadra histórica brasileira: à elevada percepção da corrupção, com multiplicação de casos graves, contrapõem-se, felizmente, avanços normativos e institucionais, sempre no marco democrático, voltados a enfrentar as práticas ilícitas.
Por certo que aumentar a possibilidade de monitoramento e exposição da atuação governamental, com mais transparência, e fortalecer o controle interno, externo, social e difuso sobre a administração, evitando-se irregularidades e afastando a impunidade, muito representam em termos de redução das oportunidades para a corrupção, urgente prioridade nacional.
GUSTAVO UNGARO é mestre em direito pela USP, presidente do Conselho Nacional de Controle Interno e da Corregedoria Geral da Administração do Estado de São Paulo e autor de “Responsabilidade do Estado e Direitos Humanos” (Saraiva, 2012).
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