quinta-feira, 12 de maio de 2022

Nova Lei de Licitações: âmbito de aplicação e princípios.

Por Fábio Jeremias de Souza e Pierre Augusto Fernandes Vanderlinde*


Sancionada pela Presidência da República em 1º de abril de 2021, a Lei 14.133/2021 traz mudanças significativas nos procedimentos das licitações e na formalização dos contratos administrativos.

Ainda que previstas regras de transição, exsurge desde já a necessidade do estudo acerca das modificações previstas, posto que a gama de novas obrigações aos gestores públicos vai exigir esforço, aperfeiçoamento e planejamento.

Não se pode perder de vista que licitação é um procedimento (conjunto de atos) pelo qual o Poder Público, mediante critérios preestabelecidos, isonômicos e públicos, busca escolher a melhor alternativa para a celebração do contrato.

No ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, licitação "é um certame em que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem a disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas".

O dever de licitar é previsão expressa no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal (dever de licitar) e, nos termos do artigo 22, inciso XXVII, também da CF, compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitações. Ao referir as "normas gerais" a Carta Magna permite que outros entes legislem sobre "normas específicas", interpretação que fez com que a doutrina tenha definido que apesar de estar no artigo que designa as competências privativas, trata-se de uma competência concorrente.

Portanto, a matéria é de suma importância para o dia a dia da administração pública e o novo marco precisa, obviamente, de uma atenção especial.

Enfim, para que se tenha uma noção do que está por vir, as principais normas infraconstitucionais que tratam da matéria, a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), a Lei nº 10.520/02 (Pregão) e a Lei 12.462/2012 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas — RDC), foram revogadas pelo nóvel diploma.

Bom ressaltar, as estatais permanecem sujeitas às regras da Lei nº 13.303/2016.

Âmbito de aplicação da nova lei

De acordo com o artigo 1º da Nova Lei, ela se aplica às administrações diretas, autárquicas e fundacionais, bem como aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos estados e do Distrito Federal e aos órgãos do Poder Legislativo dos municípios, quando no desempenho de função administrativa.

Ainda, se aplica aos fundos especiais e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela administração pública.

Importante mencionar, como dito anteriormente, que a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016 não foi revogada, sendo que as estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias) não serão abrangidas pela nova lei.

Nesse caso, a única ressalva à aplicação também nas estatais é o disposto no artigo 178 da Nova Lei, que insere o capítulo "Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos" ao Código Penal.

Por força do artigo 2º aplicar-se-á a lei para a alienação e concessão de direito real de uso de bens, compra, locação, concessão e permissão de uso de bens públicos, prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados e contratações de tecnologia da informação e de comunicação.

De outro norte, o artigo 3º define que não se subordinam à nova Lei de Licitações, os contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos, assim como as contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.

Por fim, bom ressaltar que a lei trata da questão da inserção, às licitações e contratos, das normas constantes do artigo 42 a 49 da Lei Complementar nº 123/2006, que institui o estatuto das microempresas e de empresas de pequeno porte.

Tais dispositivos trouxeram ao ordenamento jurídico nacional que a condição de ME ou EPP é critério de desempate nas licitações, assim como traz o tratamento privilegiado visando fomentar o pequeno empresário nacional.

Contudo, a nova lei traz algumas condicionantes para a aplicação da LC 123/2006, tais como no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, ou seja, R$ 4,8 milhões por ano.

Ainda, não se aplica a nova lei neste tocante, no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, às licitações cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte.

Por fim, a obtenção dos benefícios só se aplica as MEs e EPP,s que no ano-calendário de realização da licitação ainda não tenham celebrado contratos com a administração pública, em que os valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, devendo o órgão ou entidade exigir do licitante declaração de observância desse limite na licitação.

Os princípios

Quanto aos princípios, a Lei 14.133/2021 também trouxe importantes modificações. Lembrando que esse tema merece profunda reflexão, dada a relevância dos princípios para a administração pública.

Do magistério de Marçal Justen Filho pode-se "dizer, então, que os princípios desempenham função normativa extremamente relevante no tocante ao regime de direito administrativo. Com algum exagero, poder-se-ia afirmar que os princípios possuem influência mais significativa no direito administrativo do que no direito privado".

O rol de princípios elencados no artigo 3º da Lei nº 8.666/93 não é exaustivo, eis que o próprio artigo estabelece os princípios e menciona os "princípios correlatos". Aliás, o princípio da eficiência não está no artigo 3º, posto que este surgiu no caput do artigo 37 da CF com a EC 19/98.

Já a Lei 14.133/2021, apresentou um extenso rol de princípios, trazidos no seu artigo 5º. São eles: legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade; eficiência; interesse público; probidade administrativa; igualdade; planejamento; transparência; eficácia; segregação de funções; motivação; vinculação ao edital; julgamento objetivo; segurança jurídica; razoabilidade; competitividade; proporcionalidade; celeridade; economicidade; desenvolvimento nacional sustentável e as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Muitos dos princípios trazidos no rol são inerentes ao direito administrativo de uma forma ampla, com destaque para o princípio do planejamento, que inspira diversos dispositivos da nova Lei de Licitações e para as disposições da Lindb.

Isso porque ao remeter o intérprete para as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42, o novo diploma abarca, por exemplo, o artigo 22 que dispõe: "Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados".

Trata-se de inegável avanço frente à realidade imposta por um país de proporções continentais, com estruturas administrativas tão dispares, sobretudo quando pensamos nos pequenos municípios brasileiros.

Conclusão

A Lei 14.133/2021, dado o alcance das modificações impostas e pela revogação de importantes diplomas, exigirá da administração pública a mudança de rotina e a implementação de institutos até então construídos por decisões e orientações das cortes de contas.

Assim, o estudo e os esforços para as adaptações é de importância máxima para administração pública. O foco inicial deve ser o planejamento, o envolvimento de todos os setores e a regulamentação das dezenas de dispositivos legais, fazendo com que a nova Lei de Licitações seja implementada levando em consideração a realidade de cada ente federativo.


* Fábio Jeremias de Souza é advogado, mestrando em Direitos Humanos e Sociedade do programa de pós-graduação em Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e especialista em Direito Empresarial pela Unesc.

* Pierre Augusto Fernandes Vanderlinde é advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduado em Direito Eleitoral pela Universidade Anhanguera, pós-graduando em Direito Penal pela Unisinos, membro-fundador e presidente da Academia Catarinense de Direito Eleitoral, membro e ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SC, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Congressista, conferencista e professor convidado em cursos voltados ao Direito Eleitoral (ESA/Esmafesc e Uerj).

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