terça-feira, 1 de junho de 2021

Auditoria do TCMSP vê excesso de cargos comissionados na Prefeitura de SP e ‘desvio de finalidade’ em contratações.

Auditores apontaram 5.388 funcionários sem concurso na cidade; secretarias de Turismo e da Justiça têm mais de 90% dos servidores como sendo de indicação política, mas fazendo trabalhos técnicos vetados pela lei. Prefeitura diz que 'vem promovendo esforços na redução dos cargos e processos de reestruturação' que já resultaram na redução de 3.309 cargos


Auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) de São Paulo em março apontou que os órgãos da prefeitura têm atualmente excesso de cargos comissionados, empregando 5.388 servidores sem concurso, gerando “desvio de finalidade” e possível “ato de improbidade administrativa”.

De acordo com o TCM, algumas secretarias municipais, como a do Turismo e a da Justiça, têm mais de 90% de cargos comissionados entre os servidores da pasta, ferindo a legislação das chamadas "contratações de livre provimento".

“A elevada proporção de servidores ocupantes de cargos em comissão em determinados órgãos permite concluir que a sua utilização se dá de forma irregular. Isto porque o número de comissionados não guarda qualquer proporcionalidade com o número de servidores efetivos, situação que contraria a excepcionalidade do instituto e pode indicar desvio de finalidade”, afirmaram os auditores.

“Segundo o [Supremo Tribunal Federal] STF, ‘o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar’”, completou o relatório.

Por meio de nota, a Prefeitura de São Paulo disse que “vem promovendo esforços na redução dos cargos de provimento em comissão e processos de reestruturação de algumas secretarias e autarquias, as quais receberam ou perderam atribuições”.

“No total da Administração Direta, já foram reduzidos 3.309 (três mil, trezentos e nove) cargos de provimento em comissão entre 2017 e 2020”, informou a nota.

Diferentemente do informado pela prefeitura, porém, a auditoria do TCM registrou uma ligeira alta na quantidade de cargos comissionados entre 2019 e 2020, quando a cidade tinha 5.374 empregados sem concurso e passou para 5.388 ao final de 2020.

Desvio de finalidade

No total, os 5.388 funcionários comissionados representam 4,65% dos 115.952 empregados que a prefeitura tinha ao final de 2020, segundo o levantamento.

Porém, a auditoria entrevistou, por meio de questionário, 22 servidores aleatórios entre os cargos comissionados e constatou que 20 deles, mais de 90% dos casos, “não desempenham papel de chefia, direção ou assessoramento, nem demandam relação de confiança específica com a autoridade nomeante”, o que contraria a lei de contratação de servidores comissionados.

“O provimento dos cargos em comissão sem visar a finalidade prevista em lei (chefia, direção e assessoramento) pode indicar que o provimento desses cargos esteja ocorrendo para um fim diverso daquele almejado pelo ordenamento jurídico”, afirmam os auditores.

“Um servidor informou desempenhar a função de assessor jurídico. Em que pese a possibilidade de enquadrar tal tarefa como assessoramento, a fim de justificar o provimento em comissão, há entendimento do STF no sentido de que esses encargos devem ser desempenhados por servidores efetivos”, disse o documento do TCM.

A gestão municipal diz, entretanto, que “os cargos de provimento em comissão da PMSP têm suas competências definidas em legislação, que restringe suas funções típicas às de direção, chefia e assessoramento, com vínculo de confiança ao superior hierárquico, e representam menos de 4% do total de servidores da Prefeitura”.

Os auditores sugerem que as conclusões sejam encaminhadas para o Ministério Público de São Paulo, para que providências sejam tomadas e dizem que “o desvio de finalidade (ou desvio de poder) pode ser enquadrado como ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública”.

Campeãs de comissionados

Numericamente, as pastas que mais empregam funcionários comissionados são as secretarias da Educação, da Cultura, do Verde e Meio Ambiente, de Subprefeituras e o próprio gabinete do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que encerrou 2020 com 326 empregados não concursados, contra 318 em 2019.

O grande número de cargos comissionados na pasta da Educação, que fechou 2020 com 1.053 empregados não concursados, acontece, segundo os auditores, por causa da quantidade de professores sem concurso contratados pela secretaria para atender a demanda da cidade, especialmente no período de pandemia.

Mas, percentualmente, as pastas campeãs de comissionados são as de Turismo, da Justiça, da Pessoa com Deficiência, de Desenvolvimento Econômico e o gabinete do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Na Secretaria de Turismo, entre 2019 e 2020, o número de comissionados passou de 27 para 31, chegando a 91,18% do total, segundo o TCM.

Já na Secretaria Municipal da Justiça, os comissionados passaram de 23 para 30 em 2020, totalizando 90,91% do geral na pasta, enquanto na Secretaria da Pessoa com Deficiência esse número foi de 37 para 40 no período, chegando a 80% de todos os servidores do órgão municipal.

“Verifica-se que relevante parcela dos cargos está sendo utilizada para o desempenho de atividades típicas de carreiras efetivas. Esse aspecto denota desvio de finalidade na utilização dos cargos em comissão, uma vez que estes se prestam para o exercício de chefia, direção e assessoramento em que haja relação específica de confiança entre o servidor e a autoridade nomeante”, afirmou o TCM.

Fila de espera para nomeações

O Ministério Público de São Paulo já vem ajuizando uma série de ações na Justiça para fazer com que a gestão municipal contrate funcionários efetivos no lugar de terceirizados ou comissionados em determinados cargos.

Em dezembro de 2020, o promotor Ricardo de Barros Leonel, da 2ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da capital, abriu ação contra o prefeito Bruno Covas (PSDB) por contratar engenheiros terceirizados para vistoriar creches conveniadas com a prefeitura, enquanto uma fila de mais de 150 engenheiros e arquitetos que já passaram em concursos aguardavam nomeação.

Os contratos da Secretaria Municipal de Educação (SME) com engenheiros terceirizados somavam mais de R$ 1 milhão, mas, passados quase seis meses da denúncia, nenhum dos concursados de 2019 foi nomeado.

O promotor Silvio Antonio Marques também instaurou em setembro um inquérito civil público no MP para apurar o crime de improbidade administrativa por parte da gestão municipal na contratação para cargos de livre provimento (comissionados) no lugar de concursados.

Segundo o documento do promotor, há indícios de “uma política explícita de priorização de contratação de terceirizados, a altos custos, para funções efetivas típicas”.

“Em Relatório de Inspeção Anual referente ao ano de 2018, o TCM/SP já havia apontado um crescimento de 27% na ocupação de funções de livre provimento e exoneração. (...) O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a contratação de servidores comissionados para desempenhar funções desempenhadas cujos cargos deveriam ser providos por regular concurso público representa ato de improbidade administrativa”, disse Marques.

Espera de 2 anos

Enquanto aguardam uma decisão judicial sobre as ações do MP, os concursados que estão na fila se dizem "indignados" com a espera de quase dois anos para serem nomeados.

"Todo esse cenário é um desrespeito não só com a gente, que prestou concurso, mas também com os munícipes. Porque a gente estudou e se preparou, passou pelo funil do concurso público, mas tem uma porção de gente que está exercendo a nossa função sem ninguém saber o tipo de capacidade técnica que ela tem", afirma um dos engenheiros que aguarda desde 2019 pela nomeação e prefere não se identificar para não prejudicar uma futura nomeação.

"O concursado é um empregado da cidade, não de governos ou gestões. Ele presta serviço de forma isonômica e imparcial, independente do prefeito que está sentado na cadeira. A gente fica indignado em ouvir que a prefeitura diz que não tem dinheiro para contratar concursado, mas gasta milhões em consultarias e contratações de terceirizados, como tem acontecido no caso das creches ou do Plano Diretor, onde foi gasto R$ 3,5 milhões em consultoria externa, com gente qualificada dentro da própria prefeitura", completou.

No documento que o G1 teve acesso, o próprio TCM diz que a “alta rotatividade de tais cargos acaba prejudicando o serviço público” na capital paulista.

“Aqueles que saem dos quadros da Administração frequentemente levam consigo seus trabalhos, podendo não haver no setor outro servidor com conhecimento acerca do histórico e andamento dos projetos ali desenvolvidos pelo colega egresso. (...) O excesso de cargos em comissão compromete, ainda, a própria continuidade do serviço público, uma vez que a natureza da relação existente entre o comissionado e a administração é transitória e precária”, argumentaram os auditores do tribunal.

Fonte: Globo (Por Rodrigo Rodrigues, G1 SP)

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