Ministério vê desperdício de recursos em repasses a estados e municípios e planeja manual para orientar parlamentares, que têm até R$ 5,3 bi para investimentos
Numa visita à cidade de Palestina de Goiás, o então deputado Leonardo Vilela soube que um ultrassom comprado com recursos de emenda parlamentar de sua autoria ainda estava na caixa, passados meses da entrega. “Ele corria o risco de se deteriorar antes mesmo de começar a ser usado”, conta o médico, atual presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass). O motivo para a falta de uso era simples: não havia na cidade profissional capacitado para operar o aparelho. “Foi um tapa na cara”, diz. “Senti na pele e depois, como secretário, vi que o erro não era só meu. Nem sempre parlamentares sabem como encaminhar esses recursos.”
Enquanto o Congresso avança para dar mais poder aos parlamentares na definição dos recursos do Orçamento, o Ministério da Saúde estuda um manual para orientar deputados e senadores e evitar que Estados e municípios recebam recursos longe das prioridades. A ideia é criar até agosto uma espécie de lista de sugestões, que poderá ser usada pelos parlamentares no momento da formulação das emendas impositivas.
Atualmente, deputados e senadores dispõem de R$ 5,3 bilhões do Orçamento para aplicar na área de Saúde. Esse montante pode aumentar se for aprovada uma PEC que torna obrigatório também o pagamento de emendas de bancada dos partidos. A proposta já teve o aval de deputados, de senadores e agora retorna para a Câmara para votação final. Se a regra fosse colocada em prática hoje, dos R$ 130 bilhões destinados para a Saúde, o destino de R$ 8 bilhões seria decidido por parlamentares – 6,1% do orçamento.
O receio de integrantes do Executivo é o de que isso amplie um desperdício que já ocorre com as emendas impositivas individuais. “Como um aparelho de ressonância magnética para cidades com pequeno número de habitantes”, diz o presidente eleito do Conass, Alberto Beltrame.
Outro exemplo é o repasse de recursos para custeio, uma verba que será usada para pagar exames ou outros procedimentos mais complexos em hospitais ligados ao SUS. “A demanda aumenta porque há maior aporte de recursos. E se no ano seguinte o dinheiro não vier?”, questiona o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira.
Secretário-executivo do ministério, João Gabbardo dos Reis diz que a equipe está no momento estudando o impacto de uma eventual aprovação da PEC que torna obrigatória também o cumprimento das emendas de bancada. “Em tese, ela diminui nossa discricionariedade.”
Estados
Há também medidas pontuais, colocadas em práticas por municípios. Porto Alegre, por exemplo, mantém um escritório para orientar parlamentares do Estado. O objetivo declarado é tentar evitar o desperdício de recursos. Secretário-adjunto de Saúde de Porto Alegre, Natan Katz afirma que o município recebeu recursos carimbados para a construção de uma unidade de saúde de complexidade menor do que a necessária. “Nossa opção era aceitar o recurso e ficar com uma unidade de complexidade menor do que o planejado ou investir também um montante, para que a unidade fosse do tamanho apropriado.” Escolheram a segunda alternativa. “Mas era um recurso que não imaginávamos ter de investir naquele momento.”
Nesses escritórios, a ideia seria fazer uma espécie de consórcio, em que mais de um deputado pudesse destinar as emendas para o mesmo objetivo. Outra preocupação dos gestores municipais é evitar que hospitais credenciados ao SUS recebam os recursos e depois abandonem a prestação de serviços públicos. Katz conta que o Hospital Parque Belém, enquanto estava vinculado ao SUS, recebeu recursos suficientes para a compra de equipamentos como microscópio, raio X, mamógrafo e aparelho para fazer a esterilização. Tempos depois, desfez o convênio. “Tentamos recuperar os aparelhos, mas até agora não conseguimos”, conta.
Clientelismo
Para o ex-ministro e professor da Universidade Federal de São Paulo Arthur Chioro, emendas desorganizam os planos para o setor preparados pela União, Estados e municípios. “O uso do recurso não é republicano, as emendas servem para manter o clientelismo, agradar prefeito A ou B ou a mantenedora de hospital filantrópico X ou Y”, afirma.
Defensor das emendas, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), também ex-ministro da Saúde, vai na direção contrária. Ele afirma que a prática atual fortalece o SUS. “É um recurso que se garante para o setor”, afirma. Para ele, o risco de parlamentares destinarem emendas para ações de menor relevância seria evitado por meio do diálogo com o prefeito. “O parlamentar capta melhor a necessidade da ponta. Mais do que isso, ele ajuda a ampliar recursos para municípios, que gastam muito mais do que o piso determinado na Constituição.”
Sobre a queixa de que “ganha mais quem pode mais”, o deputado diz que “não é lógico querer que o político ignore as necessidades”. “A saúde é descentralizada. Se o município está mais capacitado para comprovar a necessidade e pode recorrer ao parlamentar, por que não ouvi-lo?”
Fonte: O Estado de São Paulo (Por: Lígia Formenti)
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