Todo o homem que tem em mãos o poder é sempre levado a abusar dele, e assim irá seguindo, até que encontre algum limite.
Charles-Louis de Secondat – O Espírito das Leis
A célebre frase proferida pelo Barão de Montesquieu ainda no século XVIII não poderia ser mais atual à realidade enfrentada pelo Brasil nos tempos modernos. Sucessivos e reiterados escândalos de corrupção noticiados pela mídia nacional[2] demonstram um incipiente estágio de desenvolvimento da governança brasileira, carente de aperfeiçoamentos e avanços que a tornem efetiva e direcionada de fato ao bem-estar social, pressuposto basilar do Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Como se não bastasse o fato de ser corriqueiramente assolado pela corrupção, no país há uma concepção quase que unânime e incontestável de que o Estado gasta mal. Estudo divulgado pelo Banco Mundial em 2017 sob o título "Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil" mostra que a suposição é, na verdade, um fato: entre outras conclusões, foi observado que o governo poderia economizar de R$ 24 a R$ 35 bilhões nas compras públicas apenas com mudanças de procedimentos que, à época do estudo, resultavam em preços mais elevados e geravam desperdício.
Há de se destacar que, para financiar as políticas públicas, o Estado se utiliza, sobretudo, do seu poder coercitivo, instituindo tributos sobre a sociedade. Ou seja, o funcionamento da máquina estatal depende fundamentalmente dos recursos advindos da população, mediante o recolhimento de impostos, taxas, contribuições e outras rendas. Por conseguinte, é mandatória a prestação de contas pelo governo, o qual deve zelar pela escorreita e regular aplicação do erário.
Nesse diapasão, ganha relevo o sistema de controle interno, exigência constitucional estabelecida pelos arts. 31, 70 e 74 da Carta Magna nacional. Castro[3] aduz que o controle interno
[…] é aquele exercido sobre ‘todo plexo de ações estabelecido pela Administração Pública’, de acordo com normas legais e técnicas previamente estabelecidas […].
[…]
De maneira abrangente, tem por objetivo assegurar a execução confiável da atuação administrativa, pautada em princípios e regras técnicas e de direito, com vistas à realização ótima do interesse público.
A International Organization of Supreme Audit Institutions – INTOSAI, por sua vez, preconiza que a função do controle interno é prevenir, detectar, corrigir erros e compensar controles frágeis nos quais os riscos de perda são elevados, fazendo-se imprescindíveis requisitos adicionais de salvaguarda.
Como se percebe, a finalidade do controle interno da administração pública em sentido amplo é a de verificar se a aplicação dos recursos se dá de forma proba e eficiente, bem como se as políticas públicas planejadas foram satisfatoriamente alcançadas. Um bom sistema de controle interno pode contribuir sobremaneira para a persecução dos objetivos governamentais, principalmente ao agir preventiva e concomitantemente.
Muitos são os desafios para a implementação de um sistema de controle interno consistente e apto a exercer o seu mister institucional de forma plena. Além do indispensável apoio do dirigente máximo da entidade controlada, ao qual o órgão de controle deve se reportar diretamente, sem a presença de intermediários de superior hierarquia, é imperiosa a adoção de metodologia organizacional que, segundo Castro[4], reside em:
- elaborar um planejamento estratégico de controle em que cada aspecto do controle interno existente na estrutura administrativa na qual está sendo implementado ou melhorado o controle, será analisado e servirá para determinação do ponto de partida no “novo” enfoque e estrutura dados àquele controle interno;
- confeccionar a matriz de risco da estrutura administrativa, em que o responsável pelo controle mapeará e terá em mãos todos os aspectos relevantes de controle determinados pelo gestor e pelas normas de controle, podendo assim, priorizar ações, ordenar condutas e atingir de forma mais eficiente os resultados pretendidos;
- definir um plano de auditoria que, como regra, será anual e terá como finalidade o cumprimento dos ditames estabelecidos pelos arts. 70 e 74 da Constituição Federal.
Mas se é notório que a instituição de um sistema de controle interno efetivo pode contribuir para a melhoria de performance do Estado e, se a realidade fática do Brasil exige a adoção de medidas que reduzam os riscos de perdas por corrupção e ineficiência, o que motiva alguns gestores governamentais Brasil afora a não valorizar suas controladorias, ou mesmo resistir a implantá-las, nos Entes que ainda não as possuem? A quem interessa o descontrole?
Já não há mais tempo a perder. A magnitude do controle interno na gestão pública exige mudanças inclusive de ordem constitucional, visando elevá-lo formalmente à sua condição teórica inconteste de relevo e destaque em toda a Federação. Urge uma padronização mínima em termos de funcionamento e estrutura, que defina a necessidade de instituição de carreiras técnicas permanentes vinculadas ao controle, bem como o exercício das funções essenciais a este, a saber: ouvidoria, controladoria propriamente dita, auditoria e correição.
A Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2009 tem o propósito de inserir no texto constitucional regras para a organização das atividades do controle interno, corrigindo distorções que atravancam o seu regular exercício hodiernamente. Todavia, a mesma está prestes a completar 10 anos sem a devida apreciação, sendo objeto constante de debates e modificações[5], ou simplesmente padecendo pela inércia legislativa.
A sociedade, razão maior da existência da organização estatal, será a maior beneficiada com a implementação de sistemas de controles plenos e efetivos na administração governamental, os quais, caso dotados de autonomia, independência e estrutura suficientes, decerto promoverão significativo aprimoramento do compliance no setor público, contribuindo para a redução de desperdícios e inibindo a corrupção. Portanto, é preciso controlar.
[1] Contador graduado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pós-graduado em Gestão Pública Municipal (UNEB), Contabilidade Governamental (Fundação Visconde de Cairú) e Direito Público e Controle Municipal (Unibahia). Foi Controlador Municipal e Secretário de Administração, Finanças e Planejamento em municípios do Estado da Bahia. Ex-Analista de Controle Interno da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, onde ocupou a função de Superintendente de Normas Técnicas e foi Substituto Eventual do Contador Geral do Estado. Auditor de carreira do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Assessor Técnico da Câmara Técnica de Normas Contábeis e de Demonstrativos Fiscais da Federação (STN), indicado pelo Instituto Rui Barbosa. Membro do Subgrupo Nacional do PCASP da STN. Coautor dos livros: Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público (2015); Entendendo a Contabilidade Patrimonial Aplicada ao Setor Público: do Ativo ao Patrimônio Líquido (2017); Entendendo o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (2ª ed. – 2017), todos publicados pela Editora Gestão Pública. Contato: profjcarvalho@hotmail.com
[2] São exemplos as operações Lava Jato e Prato Feito. A primeira é um conjunto de investigações em execução pela Polícia Federal do Brasil, que cumpriu mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, visando apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina. Investiga crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça, operação fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida. De acordo com investigações e delações premiadas recebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estão envolvidos membros administrativos da empresa estatal petrolífera Petrobras, políticos dos maiores partidos do Brasil, incluindo presidentes da República, presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e governadores de estados, além de empresários de grandes empresas brasileiras. Já na segunda, a Polícia Federal objetivou desarticular uma suposta máfia da merenda que envolveria esquema fraudulento com políticos e lobistas em 30 municípios do Estado de São Paulo, envolvendo 65 contratos com prefeituras que somam R$ 1,6 bilhão.
[3] CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Ensaio avançado de controle interno: profissionalização e responsividade. Belo Horizonte: Fórum, 2016. Págs. 156 e 157.
[4] Op.cit., págs. 207 a 209.
[5] A PEC 45/2009 encontrava-se, em 20/10/2018, no Senado Federal. A última movimentação da proposta ocorreu em 05/07/2016, conforme informações do site do Senado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário