sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O estágio da internacionalização das normas contábeis.

Por: Idésio Coelho da Silva Jr. - Vice-Presidente Técnico do CFC


Em um tempo de novidades, tecnologias, conexões e informações, a globalização toma uma dimensão cada vez mais importante. No âmbito econômico, sua relevância é ainda maior, já que se caracteriza pelo conjunto de mudanças no processo de produção e prestação de serviços, nas relações de trabalho, no papel do Estado, na facilitação do fluxo de pessoas, capitais, serviços e informações ao redor do mundo.
Nesse ambiente de internacionalização da economia, fortalecimento do mercado de capitais, aumento de investimentos estrangeiros diretos e formação de blocos econômicos, as informações econômico-financeiras para avaliação conjuntural e tomada de decisão se tornaram imprescindíveis. Nessa ótica, tendo em vista que as demonstrações contábeis são importantes fontes de informações para orientar as decisões de investimento, financiamento e previsões, elas servem de suporte para negociações em qualquer parte do mundo.
Diante dessa conjuntura, a padronização de normas e regras foi um processo inevitável e fundamental para o bom andamento das relações e negociações internacionais. Entre os benefícios, essa utilização de procedimentos convergentes faz com que haja uma redução de custos. Por exemplo, uma entidade que tenha subsidiárias ou filiais em outros países fará o demonstrativo contábil somente uma vez, tendo em vista que os usuários da contabilidade de todo o mundo compreenderão essa linguagem padronizada. Além desse ganho de eficiência, outro benefício, muito bem-vindo, é o aumento da transparência, tanto no setor privado quanto no setor público.
Buscando traçar uma cronologia do processo de convergência da Contabilidade brasileira aos padrões internacionais, podemos elencar como sendo o primeiro passo a criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), relacionado às normas do setor privado. Esse Comitê foi idealizado a partir da união de esforços e comunhão de objetivos das seguintes entidades: Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional), B-3 (Bolsa de Valores) e Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).
Criado pela Resolução CFC n.º 1.055, de 2005, o CPC tem como objetivo estudar, preparar e emitir Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade, bem como divulgar informações dessa natureza. O intuito é permitir a emissão de normas pelas entidades reguladoras brasileiras, visando à centralização e à uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade brasileira aos padrões internacionais.
Outra ação importante foi a criação do Comitê Gestor da Convergência no Brasil, estabelecido pela Resolução CFC n.º 1.103/2007. Esse Comitê é composto pelo CFC, Ibracon, CVM e Bacen. Sua atribuição principal é identificar e monitorar as ações a serem implantadas para viabilizar a convergência das normas contábeis e de auditoria, a partir das Normas Brasileiras de Contabilidade (NBCs) editadas pelo CFC e dos Pronunciamentos de Contabilidade e Auditoria editados pelo CPC. A intenção é promover o alinhamento das normas brasileiras às melhores práticas internacionais em matéria regulatória, quais sejam, as Normas Internacionais de Contabilidade para o setor privado emitidas pelo International Accounting Standards Board (Iasb) e as Normas Internacionais de Auditoria e Asseguração, Contabilidade Pública e Código de Ética da Profissão emitidos pela International Federation of Accountants (Ifac).
O passo seguinte desse processo se deu com as alterações na Lei das Sociedades Anônimas (6.404/1976), promovidas pelas leis n.os 11.638/2007 e 11.941/2009. Essas leis introduziram novos conceitos, métodos e critérios contábeis e fiscais, buscando harmonizar as regras contábeis adotadas no Brasil aos padrões internacionais de contabilidade (International Financial Report Standart - IFRS). Esses passos foram de suma importância à medida que recepcionaram a transparência internacional de regras e informações contábeis que passaram a ser observadas por todas as companhias abertas e pelas empresas de grande porte, quando da elaboração de suas demonstrações contábeis.
Vale destacar que o primeiro pronunciamento do CPC foi editado em 2007. Além disso, podemos ressaltar o ano de 2010 como sendo o auge do processo, quando as empresas listadas na Bolsa de Valores tiveram que apresentar seus balanços no novo padrão, e também o momento que o CFC implantou as Normas Internacionais de Auditoria no Brasil em parceria com o Ibracon.
Nesse ponto, convém mencionar que o Iasb é o principal normatizador contábil do setor privado do mundo, responsável por emitir os padrões internacionais de contabilidade (IFRS) atualmente adotadas em mais de 100 países . O objetivo do Iasb é desenvolver um conjunto único de pronunciamentos contábeis de alta qualidade, compreensíveis, exequíveis e aceitáveis globalmente, tendo por base princípios claramente articulados. Como esses pronunciamentos se dão de forma contínua, o processo de convergência deve seguir nessa direção, ocorrendo gradual e regularmente.
Quanto ao patamar do processo, já foi realizada a convergência do Código de Ética da profissão, concluída em 2014, e das normas aplicadas ao setor privado e à auditoria, concluída em 2010. Em 2015, em uma nova etapa, o CFC elegeu como uma das suas prioridades para os próximos anos a convergência das normas aplicadas ao setor público. No entanto, vale ressaltar que os movimentos em relação à convergência das normas do setor público iniciaram cerca de oito anos antes.
É pertinente lembrarmos que a contabilidade pública brasileira é regida pela Lei n.º 4.320/1964. Essa legislação tem como base principal os aspectos orçamentários. Certamente, essa lei era muito moderna em seu tempo, porém, nos dias atuais, os aprimoramentos são fundamentais, já que ocorreram transformações significativas no ambiente governamental. Sem dúvidas, esse novo cenário exige uma modernização da legislação sobre orçamento, finanças, contabilidade pública e controle.
Assim, tendo em vista o papel institucional do CFC e as orientações estratégicas relacionadas à Contabilidade Aplicada ao Setor Público, bem como o mandamento legal contido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi editada a Portaria do Ministro da Fazenda n.º 184/2008. Essa Portaria determinou à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) o desenvolvimento de algumas ações para promover a convergência às Normas Internacionais de Contabilidade aplicadas ao Setor Público, ou International Public Sector Accounting Standards (IPSAS) publicadas pelo International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB/Ifac). Essas normas estão sendo convergidas como Normas Brasileiras de Contabilidade aplicadas ao Setor Público (NBC TSP), editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Essa ação tem por objetivo auxiliar as entidades do setor público na implantação das mudanças necessárias para se atingir esse novo padrão.
Desde 2007, o processo de convergência das normas do setor público conta com o Grupo Assessor (GA) com representantes das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e da academia. Em 2008, o CFC editou o documento “Orientações Estratégicas para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público no Brasil”, o qual estabelece diretrizes relacionadas à promoção e ao desenvolvimento conceitual, à convergência às normas internacionais e ao fortalecimento institucional da Contabilidade.
No total, o trabalho envolve a convergência da Estrutura Conceitual e de 34 IPSAS (totalizando 35 normas). Até o presente momento, foram consolidadas e convergidas a Estrutura Conceitual e mais dez Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBC TSP), que foram publicadas em 2016 e 2017. De acordo com o Plano de Trabalho, até o final de 2018, a expectativa é de que sejam consolidadas e convergidas mais onze normas. As treze restantes serão convergidas gradualmente até março de 2021 e a implementação total das normas internacionais também está prevista para esse ano. Cabe ressaltar que essas normas IPSAS estão sendo ou serão adotadas por mais de 120 países.
É importante ressaltar que, esse processo de convergência das normas do setor público irá promover o aumento da transparência das contas públicas e a padronização dos procedimentos a serem utilizados pelas três esferas de governo – federal, estadual e municipal –, além de garantir a consolidação das contas públicas no âmbito nacional.
Quanto aos possíveis efeitos do processo de convergência, pesquisas acadêmicas já mostram que a adoção das IFRS pelas empresas contribuiu com o aumento da relevância da informação contábil. Certamente, esse fato pode impactar positivamente a qualidade da tomada de decisão de investidores quanto aos recursos despendidos no mercado de capitais.
Outros efeitos positivos que podemos elencar são os seguintes: maior transparência; melhor compreensão e comparabilidade dos dados contábeis entre países; facilitar a troca de informações e proporcionar menor risco para o investidor; facilitar as auditorias contábeis e financeiras e a análise comparativa de resultados em nível mundial; favorecer as transações internacionais; e contribuir com o desenvolvimento do mercado interno.
Compreendemos daí que, mesmo sendo um processo complexo de mudança conceitual e que envolve um grande número de profissionais – hoje mais de 522 mil (julho de 2018) –, seus frutos já justificam o processo desenvolvido até aqui. Por sua característica dinâmica e de difusão de novos conhecimentos, esse processo tem como potencial contribuir para a atualização e para o avanço da Ciência Contábil no contexto brasileiro.
Fonte: CFC - Conselho Federal de Contabilidade

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