A queda de parte do
viaduto da Marginal Pinheiros, na cidade de São Paulo, ocorrida no último dia
15 de novembro, sinalizou um problema crônico existente não só na capital
paulistana, mas também em muitas outras regiões do Brasil: as gestões governamentais
(principalmente as municipais e, em alguns casos, também as estaduais) não
possuem controle adequado do patrimônio público e não o mantém satisfatoriamente.
Essa constatação causa
perplexidade à população, sobretudo quando se trata dos denominados ativos de
infraestrutura, aqueles bens especializados por natureza, que são parte de um
sistema ou de uma rede, tais como malhas rodoviárias (incluindo viadutos e
pontes), sistemas de esgoto, sistemas de abastecimento de água e energia e
redes de comunicação. A preocupação da sociedade não é descabida: ela é usuária
desses bens e deseja usufruir deles de forma segura.
A indagação que parece
ser comum aos usuários dos bens públicos em questão é: como o governo deixou
que a situação chegasse a tal ponto? Como pode um viaduto cair de um dia para o
outro sem que a administração pública tivesse qualquer indício da probabilidade
de tal ocorrência? Será que isso ocorrerá novamente em um dos outros 184
viadutos existentes em São Paulo? E se eu estiver passando por um deles no
exato momento?
Certamente há diversos
elementos que devem ser considerados na análise das causas do incidente, mas um
deles reside na ausência de representação integral do patrimônio público na
contabilidade do Município. A contabilidade é a ciência que tem como objeto de
estudo o patrimônio das entidades. No setor público, esse objeto é o patrimônio
público.
Assim, para gerar
informação apropriada, a contabilidade da Prefeitura de São Paulo deve
reconhecer, mensurar e evidenciar todos os bens, direitos e obrigações da
municipalidade, bem como expor a sua situação patrimonial líquida.
Os recursos controlados,
decorrentes de eventos passados e que tenham capacidade de gerar benefício
econômico futuro ou potencial de serviço são conceituados como ativos
(popularmente conhecidos apenas como bens e direitos). Já as obrigações
presentes, também decorrentes de eventos passados e que impliquem em
necessidade de sacrifícios de benefícios econômicos ou potencial de serviço
para a sua extinção são os passivos (mais conhecidos simplesmente como
obrigações). A diferença entre estes é a situação líquida patrimonial (ou patrimônio
líquido).
Nem todos os ditos
elementos patrimoniais integram o balanço da Prefeitura, atualmente. No que
concerne aos ativos, especificamente no tocante aos bens imóveis, o balanço
patrimonial de 2017[1]
demonstra o valor de R$ 19,1 bilhões, composto por bens de uso especial
(imóveis utilizados pelo Governo, tais como edifícios onde funcionam as
Secretarias e demais entidades – R$ 10,6 bilhões) e pelos bens dominiais
(demais bens de domínio público, não utilizados para a prestação de serviços –
R$ 8,5 bilhões). Os ativos de infraestrutura são classificados como bens de uso
comum do povo. Para estes, não há qualquer valor evidenciado no balanço
patrimonial.
Os viadutos e pontes
(ativos de infraestrutura) enquadram-se na conceituação de ativo e, portanto,
devem ser registrados na contabilidade municipal. Mas de que forma o
reconhecimento destes bens na contabilidade municipal poderia ter contribuído
para evitar o desabamento ocorrido na Marginal Pinheiros?
A correta representação
contábil dos viadutos poderia gerar informação quanto à necessidade premente de
manutenção. Isso porque o valor registrado no sistema contábil não corresponde
simplesmente ao custo de construção do ativo de infraestrutura. A depreciação
também é evidenciada na escrituração. Esta, por sua vez, corresponde à perda de
valor, por uso, ação da natureza ou obsolescência, dos bens móveis e imóveis.
Assim, ao demonstrar o
custo histórico dos bens imóveis e quanto deste já se encontra depreciado, o
sistema de informação contábil gera valiosos dados, que devem ser utilizados
pela administração governamental como elemento indicativo da necessidade de
exame mais acurado quanto à sua manutenção. Aí está materializado o valor
preditivo da informação contábil, que é um dos componentes da característica
qualitativa da relevância, descrita na Estrutura Conceitual da contabilidade
aplicada ao setor público.
Além disso, de posse dos
dados financeiros, a auditoria (tanto o controle interno – exercido pela
Controladoria Geral do Município – quanto o externo – a cargo do Tribunal de
Contas do Município de São Paulo e da Câmara de Vereadores) possuirá maiores
condições de planejar seus trabalhos, identificando os bens registrados em
balanço e examinando a veracidade das informações, bem como outros quesitos
tais como as reais condições físicas dos ativos de infraestrutura. Uma
auditoria combinada (financeira e de conformidade) seria adequada ao caso
concreto.
Vale destacar que o
Brasil vive um momento de convergência das suas práticas contábeis no setor
público aos padrões internacionais, voltada à representação fidedigna do
patrimônio neste setor. A Secretaria do Tesouro Nacional, órgão central de
contabilidade da União, fixou prazos para que todos os entes públicos adotem
boas práticas contábeis patrimoniais.
O reconhecimento,
mensuração e evidenciação dos ativos de infraestrutura deve ser realizado pelos
municípios que possuam mais de 50.000 habitantes até o ano de 2023. Portanto, a
partir de então a contabilidade do Município de São Paulo deve ser capaz de
gerar informação preditiva útil que contribua para a tomada de decisão quanto à
manutenção das pontes, rodovias e demais bens utilizados pela sua população.
Por fim, é imperioso
destacar que a legislação nacional, notadamente a Lei de Responsabilidade
Fiscal, estabelece que, antes de iniciar novos projetos, sejam garantidos os
recursos imprescindíveis aos que se encontrem em andamento e à conservação do
patrimônio público, mediante devida alocação de valores em ações previstas nas
Leis Orçamentárias Anuais. Logo, a construção de qualquer novo equipamento
público só deve ser iniciada se os que já existem se encontrem em condições
satisfatórias de funcionamento. Essa é uma regra que ainda precisa ser melhor
difundida junto aos gestores públicos.
[1] Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/01-03-consgeral-balpatr2017_1519640403.pdf
. Acesso em 24/11/2018.
Excelente artigo meu amigo. Parabéns
ResponderExcluirMuito obrigado, professor Cadú.
ExcluirExcelente!
ResponderExcluirObrigado por sua visita ao blog e pelo elogio. Grande abraço.
ExcluirParabéns Professor! Tive a satisfação de seu seu aluno na Faculdade Castro Alves, embora por um período pequeno, mas já percebia a importância dos seus conhecimentos para Gestão Pública e até hoje acompanho os seus ensinamentos! Parabéns! Vejo também uma grande fragilidade no controle do patrimônio público, em especial dos estoques de bens de consumo, pois, pelo menos na Bahia, o Sistema Integrado de Material, Patrimônio e Serviços – SIMPAS, ainda não possui um simples leitor de código de barras para controlar e contabilizar fidedignamente as entrada e saídas de bens de consumo. Tudo isso é lançado manualmente, primeiro no SIMPAS por profissionais do Almoxarifado e depois registrado manualmente no Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças do Estado da Bahia (FIPLAN).
ResponderExcluirOlá Márcio. Fico muito feliz em saber que um ex-aluno da Castro Alves está atuando na área governamental. Obrigado por acompanhar o blog. E você está corretíssimo quanto à fragilidade dos controles voltados ao patrimônio público. Ainda temos muito a evoluir.
ExcluirGrande abraço e sucesso na sua trajetória.
Excelente locação Professor, parabéns.
ResponderExcluirQuerida Laura, muito obrigado.
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