sábado, 24 de novembro de 2018

A importância da informação preditiva gerada pela contabilidade no setor público: o caso do viaduto da Marginal Pinheiros.

Por: Prof. Jorge de Carvalho (Contador e Auditor do TCMSP)


A queda de parte do viaduto da Marginal Pinheiros, na cidade de São Paulo, ocorrida no último dia 15 de novembro, sinalizou um problema crônico existente não só na capital paulistana, mas também em muitas outras regiões do Brasil: as gestões governamentais (principalmente as municipais e, em alguns casos, também as estaduais) não possuem controle adequado do patrimônio público e não o mantém satisfatoriamente.

Essa constatação causa perplexidade à população, sobretudo quando se trata dos denominados ativos de infraestrutura, aqueles bens especializados por natureza, que são parte de um sistema ou de uma rede, tais como malhas rodoviárias (incluindo viadutos e pontes), sistemas de esgoto, sistemas de abastecimento de água e energia e redes de comunicação. A preocupação da sociedade não é descabida: ela é usuária desses bens e deseja usufruir deles de forma segura.

A indagação que parece ser comum aos usuários dos bens públicos em questão é: como o governo deixou que a situação chegasse a tal ponto? Como pode um viaduto cair de um dia para o outro sem que a administração pública tivesse qualquer indício da probabilidade de tal ocorrência? Será que isso ocorrerá novamente em um dos outros 184 viadutos existentes em São Paulo? E se eu estiver passando por um deles no exato momento?

Certamente há diversos elementos que devem ser considerados na análise das causas do incidente, mas um deles reside na ausência de representação integral do patrimônio público na contabilidade do Município. A contabilidade é a ciência que tem como objeto de estudo o patrimônio das entidades. No setor público, esse objeto é o patrimônio público.

Assim, para gerar informação apropriada, a contabilidade da Prefeitura de São Paulo deve reconhecer, mensurar e evidenciar todos os bens, direitos e obrigações da municipalidade, bem como expor a sua situação patrimonial líquida.

Os recursos controlados, decorrentes de eventos passados e que tenham capacidade de gerar benefício econômico futuro ou potencial de serviço são conceituados como ativos (popularmente conhecidos apenas como bens e direitos). Já as obrigações presentes, também decorrentes de eventos passados e que impliquem em necessidade de sacrifícios de benefícios econômicos ou potencial de serviço para a sua extinção são os passivos (mais conhecidos simplesmente como obrigações). A diferença entre estes é a situação líquida patrimonial (ou patrimônio líquido).

Nem todos os ditos elementos patrimoniais integram o balanço da Prefeitura, atualmente. No que concerne aos ativos, especificamente no tocante aos bens imóveis, o balanço patrimonial de 2017[1] demonstra o valor de R$ 19,1 bilhões, composto por bens de uso especial (imóveis utilizados pelo Governo, tais como edifícios onde funcionam as Secretarias e demais entidades – R$ 10,6 bilhões) e pelos bens dominiais (demais bens de domínio público, não utilizados para a prestação de serviços – R$ 8,5 bilhões). Os ativos de infraestrutura são classificados como bens de uso comum do povo. Para estes, não há qualquer valor evidenciado no balanço patrimonial.

Os viadutos e pontes (ativos de infraestrutura) enquadram-se na conceituação de ativo e, portanto, devem ser registrados na contabilidade municipal. Mas de que forma o reconhecimento destes bens na contabilidade municipal poderia ter contribuído para evitar o desabamento ocorrido na Marginal Pinheiros?

A correta representação contábil dos viadutos poderia gerar informação quanto à necessidade premente de manutenção. Isso porque o valor registrado no sistema contábil não corresponde simplesmente ao custo de construção do ativo de infraestrutura. A depreciação também é evidenciada na escrituração. Esta, por sua vez, corresponde à perda de valor, por uso, ação da natureza ou obsolescência, dos bens móveis e imóveis.

Assim, ao demonstrar o custo histórico dos bens imóveis e quanto deste já se encontra depreciado, o sistema de informação contábil gera valiosos dados, que devem ser utilizados pela administração governamental como elemento indicativo da necessidade de exame mais acurado quanto à sua manutenção. Aí está materializado o valor preditivo da informação contábil, que é um dos componentes da característica qualitativa da relevância, descrita na Estrutura Conceitual da contabilidade aplicada ao setor público.

Além disso, de posse dos dados financeiros, a auditoria (tanto o controle interno – exercido pela Controladoria Geral do Município – quanto o externo – a cargo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e da Câmara de Vereadores) possuirá maiores condições de planejar seus trabalhos, identificando os bens registrados em balanço e examinando a veracidade das informações, bem como outros quesitos tais como as reais condições físicas dos ativos de infraestrutura. Uma auditoria combinada (financeira e de conformidade) seria adequada ao caso concreto.

Vale destacar que o Brasil vive um momento de convergência das suas práticas contábeis no setor público aos padrões internacionais, voltada à representação fidedigna do patrimônio neste setor. A Secretaria do Tesouro Nacional, órgão central de contabilidade da União, fixou prazos para que todos os entes públicos adotem boas práticas contábeis patrimoniais.

O reconhecimento, mensuração e evidenciação dos ativos de infraestrutura deve ser realizado pelos municípios que possuam mais de 50.000 habitantes até o ano de 2023. Portanto, a partir de então a contabilidade do Município de São Paulo deve ser capaz de gerar informação preditiva útil que contribua para a tomada de decisão quanto à manutenção das pontes, rodovias e demais bens utilizados pela sua população.

Por fim, é imperioso destacar que a legislação nacional, notadamente a Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece que, antes de iniciar novos projetos, sejam garantidos os recursos imprescindíveis aos que se encontrem em andamento e à conservação do patrimônio público, mediante devida alocação de valores em ações previstas nas Leis Orçamentárias Anuais. Logo, a construção de qualquer novo equipamento público só deve ser iniciada se os que já existem se encontrem em condições satisfatórias de funcionamento. Essa é uma regra que ainda precisa ser melhor difundida junto aos gestores públicos.

8 comentários:

  1. Parabéns Professor! Tive a satisfação de seu seu aluno na Faculdade Castro Alves, embora por um período pequeno, mas já percebia a importância dos seus conhecimentos para Gestão Pública e até hoje acompanho os seus ensinamentos! Parabéns! Vejo também uma grande fragilidade no controle do patrimônio público, em especial dos estoques de bens de consumo, pois, pelo menos na Bahia, o Sistema Integrado de Material, Patrimônio e Serviços – SIMPAS, ainda não possui um simples leitor de código de barras para controlar e contabilizar fidedignamente as entrada e saídas de bens de consumo. Tudo isso é lançado manualmente, primeiro no SIMPAS por profissionais do Almoxarifado e depois registrado manualmente no Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças do Estado da Bahia (FIPLAN).

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    1. Olá Márcio. Fico muito feliz em saber que um ex-aluno da Castro Alves está atuando na área governamental. Obrigado por acompanhar o blog. E você está corretíssimo quanto à fragilidade dos controles voltados ao patrimônio público. Ainda temos muito a evoluir.

      Grande abraço e sucesso na sua trajetória.

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  2. Excelente locação Professor, parabéns.

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