sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Crise financeira: RS extrapolou limites fiscais.



A semana começou turbulenta para os gaúchos, que ficaram sem escola, ônibus e policiais nas ruas. O motivo foi o parcelamento de salários dos funcionários do estado, anunciado na última sexta-feira (31) pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul. A situação financeira do Estado não é novidade. Há anos o governo gaúcho desrespeita os limites fiscais para endividamento, além do teto para gastos com pessoal. 

Conforme levantamento do Contas Abertas, neste ano o governo já atingiu o limite prudencial de despesas com pessoal estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isto que dizer que mais de 46,55% da Receita Corrente Líquida (RCL) do Estado foi destinada aos servidores. No caso do Rio Grande do Sul, essa patamar já está em 47,3%.

A Receita Corrente Líquida representa a soma de todas as receitas correntes, consideradas algumas deduções. O primeiro limite da LRF é acionado quando as despesas com pessoal e encargos alcança 44,1% da RCL. A situação se agrava quando vai para o limite prudencial. O limite máximo estabelecido na lei, de 49%. 

Para os gestores que extrapolam os limites, primeiramente, a LRF estabelece prazo de oito meses para o governo eliminar o gasto com excesso de pessoal. Nos primeiros quatro meses, após verificado o excesso, é preciso eliminar pelo menos um terço do excedente no próximo quadrimestre. O restante, no quadrimestre seguinte. 

Enquanto o excesso perdurar, o estado sofre sanções. O órgão responsável pela administração, haja vista que a LRF é aplicada aos estados e municípios, fica proibido de conceder aumento de pessoal ou alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa, entre outras coisas, por exemplo. 

De acordo com o estudo “Contas estaduais do RS, 2011-2014 – Chegamos ao fundo do poço?”, produzido pelo contador e economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, o item pessoal foi o que mais cresceu nos últimos quatro anos, passando de 61,9% para 70,2% da RCL, considerando-se todos os Poderes. 

Com a RCL significativamente comprometida com despesas de pessoal, o endividamento do Estado desde 2000 extrapola o limite estipulado pela Resolução nº 40, de 2001, do Senado Federal. A resolução determina que a dívida consolidada líquida dos Estados e do Distrito Federal não pode exceder duas vezes a receita corrente líquida. 

Em 2004, o endividamento do estado foi 83% superior ao limite estabelecido, o maior pico na série histórica levantada pelo Contas Abertas. De lá pra cá, a situação financeira melhorou, mas nunca chegou a estar dentro do determinado. Em 2013 e 2014, os percutais foram 9% superiores ao limite. 

Neste ano, considerado o primeiro quadrimestre, o endividamento está 13 pontos percentuais acima da determinação. O Estado do Rio Grande do Sul é o único que não cumpre o limite de endividamento previsto pela Resolução do Senado. 

Conforme estudo de Darcy Carvalho mostrou, em 2010, havia margem de endividamento de 15% da RCL, em torno de R$ 4,5 bilhões em termos de hoje. No final de 2014 esta margem estava zerada, pelos empréstimos contraídos. 

As previsões para os próximos anos não são boas. “Em 2015 e 2016 o limite de endividamento cai 5% ao ano. O novo acordo não foi regulamentado e, quando for, não terá efeito imediato porque o aumento maior do IPCA sobre o IGP-DI entre janeiro/2013 e dezembro/2014 quase anulará o efeito da redução da taxa de juros de 6% para 4%”. 

O economista lembra que além da dívida consolidada líquida existem as dívidas que não a integram, por determinação legal. “Elas cresceram nos últimos quatro anos R$ 5,7 bilhões ou 181,2%, numa taxa nominal anual de 29,5%. Todos os saques do caixa único não fazem parte da dívida consolidada líquida, e caso fizessem, o limite de endividamento do Estado teria se esgotado há muito tempo”, explica. 

Problemas 

O parcelamentos dos salários não deve livrar o Rio Grande do Sul do alto nível de despesas com pessoal. O estudo de Darcy Carvalho, mostra que o déficit potencial do Estado sem investimentos passou de 10% para 13% da receita corrente em termos redondos, correspondendo a mais de R$ 5 bilhões. 

Esse déficit passou a ser real exatamente em razão dos reajustes salariais concedidos em 2013 e 2014, com altos índices em novembro do último ano. Os reflexos já poderão ser vistos em 2015 e nos próximos exercícios, quando incidirão os reajustes concedidos parceladamente até novembro/2018. 

“Se nada for feito, o déficit de 2015 será superior a R$ 5 bilhões e com comportamento crescente. Para agravar a situação, as fontes de recursos, com destaque para os depósitos judiciais, estão esgotadas ou praticamente isso”, aponta. 

O estudo explica que a existência dos depósitos judiciais foi o que possibilitou o governo conceder os reajustes salariais, utilizando a receita finita para criar despesa permanente (cumulativa). Além disso, também foram utilizados recursos de empréstimos para custear despesa corrente. 

“É a maldição do dinheiro fácil. A crítica que fizemos ao governo passado no tocante ao crescimento da dívida, tanto mediante empréstimos como no caixa único e depósitos judiciais, não está no endividamento em si, que é positivo e indispensável em certos casos, mas na utilização inadequada dos recursos dela provenientes”, aponta. 

Para piorar mais ainda, a economia está em recessão com reflexo negativo na arrecadação. Conforme o Contas Abertas, a arrecadação estadual caiu em R$ 288,2 milhões em 2015. A principal razão foi a queda do ICMS. 

Sartori no STF 

Na última terça-feira, o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), se reuniu em Brasília com três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar a possibilidade de ser obrigado a pagar em dia os vencimentos dos servidores estaduais. 

As reuniões foram com os ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Luís Roberto Barroso, que ainda não se posicionaram sobre um agravo de instrumento em que o governo gaúcho pede a anulação de liminares impedindo o parcelamento dos salários. As liminares beneficiam 16 entidades de classe de funcionários públicos. 

Calote na União 

Diante do agravamento da crise nas finanças públicas do Estado, o governo gaúcho busca uma saída jurídica para evitar punições caso não consiga pagar a parcela mensal da dívida com a União. Nos últimos meses, o Piratini já postergou o pagamento da parcela para conseguir honrar a folha do funcionalismo. No entanto, embora com atraso, o valor vem sendo quitado. 

Segundo o site ClickRBS, o problema, desta vez, é que o risco de não pagamento é iminente. E isso poderá gerar sanções ao Estado, como o bloqueio de repasses federais para o Rio Grande do Sul. 

De acordo com o procurador-geral do Estado, Euzébio Ruchel, o Executivo trabalha no sentido de encontrar alguma medida cautelar que consiga evitar a interrupção dos repasses da União. 

“Se o Estado não efetuar o pagamento num curto espaço de tempo, a União não efetua os repasses, ela bloqueia. Estamos tentando construir uma tese no sentido de buscar alguma medida judicial que impeça a União de adotar qualquer medida sancionatória. Seria uma ação cautelar”, explicou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade. 

Atualmente, a parcela da dívida paga pelo Estado à União está em torno de R$ 280 milhões mensais. Na última sexta-feira, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, classificou como “muito provável” que o Estado não cumpra com o pagamento da dívida neste mês. 

“É muito provável que isso venha a ocorrer”, disse ao afirmar que torce para que não ocorra bloqueio no repasse de verbas federais por conta do calote.

Fonte: Organização Contas Abertas (www.contasabertas.com.br)

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