terça-feira, 25 de setembro de 2012

A "nova" Contabilidade Pública: bens fungíveis e infungíveis.

Por: Prof. Lino Martins da Silva


Numa palestra proferida pelo titular deste Blog um dos participantes fez a seguinte pergunta:

- Gostaria de saber se estou, efetivamente, obrigado a fazer a reavaliação, a depreciação e a perda do valor dos 50.000 itens do patrimônio mobiliário tendo em vista que não faço isso para o dinheiro que possuo na Tesouraria: tenho disponíveis R$ 1.000 em notas de R$ 100, ainda que tais notas já estejam em circulação à mais de 10 anos?
 
Este tipo de pergunta revela como é importante o conhecimento da área do Direito Civil relacionada com o conceito de bens, mais especificamente, de bens fungíveis e infungíveis; consumíveis e não consumíveis.
 
Em primeiro lugar é preciso saber que as palavras “bem” e “coisa”, são utilizadas como sinônimos por alguns doutrinadores e pela própria lei, mas são vocábulos de extensão diversa. Coisa é o gênero do qual bem é a espécie. Bem proporciona utilidade aos homens, contém em si um valor econômico. Já coisa é tudo aquilo que existe objetivamente, como o sol, a lua, os animais, os seres inanimados.
 
Existem valores preciosos aos homens que fogem da competência do direito privado, pelo fato de não possuírem conteúdo econômico. Como por exemplo, podemos citar os direitos personalíssimos, tais como a vida, a liberdade, a honra, denominados de bens não patrimoniais. Já os valores de conteúdo econômico, tais como o direito autoral (bens incorpóreos), são objeto de estudo do Direito Civil, constituindo-se em bens patrimoniais.
 
Patrimônio é o conjunto de bens de um indivíduo, conversíveis em dinheiro. Segundo Beviláqua, patrimônio é o “complexo das relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico”. O patrimônio abrange tanto o ativo como o passivo, de tal modo que uma pessoa possa ter um patrimônio negativo. Entretanto, só entram na classificação de patrimônio os bens que possuem valor econômico. Como os bens fazem parte do patrimônio de uma pessoa, às vezes, ambas as expressões, “bens” e “patrimônio”, são utilizadas para se referir ao mesmo objeto.
 
Assim, em resumo, bens são as coisas materiais ou imateriais que têm valor econômico e que podem servir de objeto a uma relação jurídica; para que o bem seja objeto de uma relação jurídica é preciso que ele apresente os seguintes caracteres, idoneidade para satisfazer um interesse econômico, gestão econômica autônoma e subordinação jurídica ao seu titular.
 
Em decorrência para entender a qualidade da classificação dos bens móveis e imóveis constantes do plano de contas de uma entidade pública é necessário, nessa redescoberta da Contabilidade Governamental, tomar emprestados alguns conceitos do Código Civil Brasileiro entre as quais destacamos o de bens fungíveis e infungíveis.
 
Os bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros de mesmo gênero/espécie, quantidade e qualidade, conforme o disposto no artigo 85 do Novo Código Civil, sendo certo que tal classificação é típica de bens móveis, podendo-se citar os seguintes exemplos: café, soja, minério de carvão, dinheiro etc.
 
Já os bens infungíveis são aqueles de natureza insubstituível, como, por exemplo, uma obra de arte, uma edição rara de um livro, um touro premiado etc. A fungibilidade dos bens, de forma geral, deriva da própria natureza do bem.
 
Mas existem ocasiões que tal situação não se verifica necessariamente assim, tendo em vista que a vontade das partes poderá transformar um bem fungível em infungível. Um exemplo é o de uma cesta de frutas que fica exposta para ornamentação em um evento de um restaurante. Tal cesta deverá ser devolvida ao final do evento, não se admitindo que seja substituída por outra. Para Washington de Barros Monteiro (2005, p.184): “ a fungibilidade ou infungibilidade é predicado que resulta, em regra, da própria qualidade física, da própria natureza da coisa. Mas pode advir igualmente da vontade das partes. Estas, por convenção, tornam infungíveis coisas intrinsecamente fungíveis”.
 
Há também serviços fungíveis e infungíveis. Para Orlando Gomes (2001, p.222): “Serviço fungível é o que pode ser prestado por outra pessoa que não o devedor. O credor tem a faculdade de mandar executa-lo por substituto, a expensas da outra parte. Serviço não fungível, o que se contrata intuitu personae, isto é, em atenção às qualidades pessoais do devedor. Sua execução por terceiro ou é impossível ou desinteressante ao credor”.
 
Assim, enquanto o dinheiro em caixa ou tesouraria tem a característica da fungibilidade, ou seja, podem ser substituídos por outros de mesmo gênero ou espécie, quantidade e qualidade, os bens do patrimônio mobiliário e imobiliário são infungíveis a partir da sua entrada na Entidade como bens de uso com a aposição das plaquetas de identificação e, por consequência, não podem ser substituídos por outros seja em qualidade ou em quantidade.
 
Essa individualização dos bens patrimoniais que decorre da característica de sua infugibilidade tem como resultado a necessidade do reconhecimento e avaliação periódica por se tratar de um ativo gerador de benefícios econômicos futuros.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V.1: parte geral. 40. ed. Ver. e atual. Por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2005.
 
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V.1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
 
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18. ed. Atualizada por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

Fonte: Blog do Professor Lino Martins (http://linomartins.wordpress.com)

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