terça-feira, 5 de março de 2024

O dever dos gestores municipais e o papel do TCE em ano eleitoral.

 Por: Valdecir Pascoal - Conselheiro-Presidente do TCE-PE


Em meio às crises das democracias no mundo, 2024 promete ser um dos anos eleitorais mais importantes do século XXI. Haverá eleições em mais de 40 países, alcançando metade da população do planeta, em nações e regiões-chaves do cenário internacional, como a União Europeia, EUA, Índia e Reino Unido. O Brasil também está inserido nesse contexto. Aqui, teremos eleições para prefeitos e vereadores em todos os 5.570 Municípios. Em Pernambuco, o eleitor vai às urnas nos 184 Municípios do Estado.

Em ano eleitoral, a legislação brasileira impõe aos gestores municipais uma série de condutas, vedações e restrições, relacionadas às despesas públicas. O objetivo é evitar o desequilíbrio das contas em final de mandato e o uso indevido da máquina pública em favor de candidatos à reeleição ou daqueles apoiados pelos atuais gestores. Por sua vez, cabe aos Tribunais de Contas a fiscalização desses regramentos e a responsabilização em caso do seu descumprimento.

Comecemos pelos deveres dos gestores, previstos em normas como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei Eleitoral (Lei Federal 9.504/97).

A LRF, por exemplo, só permite a contratação de novas despesas nos últimos dois quadrimestres do mandato se o gestor municipal puder pagar integralmente a obrigação até o fim do ano ou se deixar recursos disponíveis em caixa para isso. Veda, igualmente, que se aumente a despesa com pessoal nos últimos 180 dias do mandato. No lado do endividamento, proíbe a contratação de operações de crédito (empréstimos) por antecipação de receitas, as chamadas AROS, que, em tempos normais, destinam-se a cobrir déficits momentâneos de caixa.

Já a legislação eleitoral, propriamente dita, traz inúmeras restrições em relação aos gastos. No primeiro semestre do ano da eleição, por exemplo, é vedado realizar despesas com publicidade que excedam a seis vezes a média mensal dos valores dos três últimos anos. Nos três meses anteriores à eleição, o Município não pode receber transferências voluntárias da União ou do Estado, salvo se a verba estiver destinada à continuidade da execução de obra ou serviço ou em casos de emergência e calamidade pública. Ainda que estabeleça exceções, a regra geral proíbe o gestor de nomear, contratar, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens e, ainda, remover, transferir ou exonerar servidor público, nos três meses que antecedem o pleito e até a posse dos eleitos. Também é vedada a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução no ano anterior. Registre-se, ainda, que é proibido fazer revisão geral da remuneração dos servidores acima da inflação.

Como se vê, as restrições legais impostas aos gestores municipais em ano eleitoral estão diretamente vinculadas às atribuições dos Tribunais de Contas. O TCE-PE, não é de hoje, aumenta a sua atuação concomitante (em tempo real) em contextos de eleições, por meio de alertas, cautelares e auditorias específicas, mas também a partir de denúncias de cidadãos recebidas pela sua Ouvidoria. A propósito dessas denúncias, a Instituição precisa estar atenta para não ser usada com fins eleitoreiros. Foco e vigilância redobrada devem estar aliados à cautela e à imparcialidade. De forma proativa, visando à prevenção de eventuais falhas, o TCE orienta e capacita os agentes públicos, por meio de uma cartilha explicativa, que detalha todas as restrições vigentes no período eleitoral, e com a oferta de cursos sobre o tema, promovidos pela sua Escola de Contas.

Há, ainda, uma competência do TCE que tem a força de influenciar direta e qualitativamente a democracia. Até o dia 15 de agosto do ano da eleição, a lei determina que o TCE envie à Justiça Eleitoral a lista com os nomes dos gestores que tiveram contas irregulares (irrecorríveis) nos últimos oito anos. Essa lista subsidia os eventuais pedidos de impugnação de candidaturas pelo Ministério Público Eleitoral ou por partidos, uma vez que as contas com irregularidades graves, insanáveis e dolosas, nos termos da Lei da Ficha Limpa, podem gerar a inelegibilidade. No entanto, mesmo que a lista enviada pelo TCE não leve à impugnação legal de candidatura, ela é um poderoso instrumento de informação objetiva para o cidadão escolher os seus candidatos. A lista ficará disponível no Portal “TomeConta” do TCE-PE.

A atuação do TCE, nesse contexto, não se restringe ao exame da legislação em relação às despesas públicas ou ao envio da lista com o nome dos gestores com contas irregulares. Ao se iniciarem as transições de governo, nos termos da Lei Complementar Estadual 200/2014, o TCE atua também como guardião desse processo, o que contribui para que haja a máxima transparência entre os membros da gestão atual e da equipe designada pelo eleito. Trata-se de uma atribuição fundamental para evitar a descontinuidade das políticas públicas.

Com os gestores pensando nas próximas gerações e as instituições republicanas, como o TCE-PE, cumprindo o seu papel de orientar e fiscalizar, a boa gestão, o exercício da cidadania e a democracia só têm a ganhar.

Fonte: ATRICON - Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil

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