Os controles internos dos Hospitais Universitários Federais (HUs) não asseguram a imprescindível segurança, economicidade e lisura na consecução de suas competências, com potencial prejuízo à proteção dos recursos, bens e ativos públicos contra o desperdício, a perda, o mau uso, o dano ou a apropriação indevida. Essa é a conclusão do Tribunal de Contas da União (TCU) na consolidação de 23 auditorias realizadas nessas entidades pelo país.
Os HUs são entidades públicas, vinculadas às universidades federais, subordinando-se diretamente a seus reitores. Segundo o portal do Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Superior (Sesu) tem por competência, dentre outras, a manutenção, supervisão e desenvolvimento das instituições públicas federais de ensino superior (Ifes) e o estabelecimento de políticas de gestão para esses hospitais.
Em termos de gestão da área de licitações e contratos, os HUs adotam modelos distintos. A maioria deles utiliza modelo descentralizado, com todas suas aquisições, bem assim a gestão de seus contratos, realizadas diretamente, sem a intermediação da respectiva universidade. Outros têm gestão centralizada, com a universidade sendo responsável pelas contratações. E ainda há os que adotam modelo misto, com parte das contratações sendo gerenciadas pela universidade a que se vincula e parte administrada pelo próprio hospital. Em relação à auditoria interna, os hospitais universitários não possuem unidade própria e utilizam as mesmas das universidades federais.
Já em relação aos pontos estruturais, segundo o relatório, os aspectos que estão a vulnerabilizar o ambiente interno dos hospitais universitários são a precariedade das políticas e práticas de recursos humanos, com insuficiência de pessoal, a ausência de priorização de treinamento do efetivo e cultura organizacional de não se realizar avaliação de desempenho ou de promovê-la sem considerar o real desempenho do servidor; o estilo gerencial de pouco controle e as inadequações da estrutura organizacional.
“Em relação à política de recursos humanos, a carência de pessoal que assola os hospitais vem prejudicando sobremaneira o bom desempenho da área. A causa precípua alegada pelos gestores é a indefinição do governo federal quanto à realização de concursos públicos a eles destinados”, afirma o relator dos processos, ministro José Jorge.
Ao lado da insuficiência de pessoal, sobressai-se a deficiência, até mesmo ausência em muitos casos, de ações tendentes à capacitação do efetivo lotado nas áreas de licitação, contrato e recebimento de serviços, bem assim nas comissões de licitações (pregoeiros e membros da equipe de apoio), o que acarreta, no mínimo, a perpetuação de falhas nos processos de compra. Mais da metade dos hospitais universitários auditados (57%) encontra-se nessa situação segundo o TCU.
Também contribui para a situação a inexistência de sistema de avaliação de desempenho dos servidores, o que foi observado em 52% dos hospitais. “Observou-se ainda que, quando existente, está desacompanhado da adoção de medidas corretivas ou disciplinares para as hipóteses de baixo desempenho e de infração (21% das entidades e 30% dos processos administrativos disciplinares instaurados entre 2010 a 2011). Tal contexto propicia o descompromisso e o desinteresse do corpo funcional, resultando, inexoravelmente, em sentimento de impunidade na instituição, o que a relega à situação de enorme risco de práticas irregulares”, afirma o ministro relator.
O TCU também apontou que 74% dos hospitais universitários federais deixam de monitorar as atividades e o desempenho da área de licitações e contratos, o que impede a inibição de reais irregularidades e condutas reprováveis. Potencializando o resultado, detectou-se também a falta de cultura de responsabilidade em relação ao risco em 43% dos hospitais, evidenciada quer pela ausência de tratamento diferenciado para licitações de maior vulto ou que envolvam objetos não usuais, quer pela composição deficiente do setor de compras.
“Tal conjuntura culmina, invariavelmente, com ineficiência operacional (aumento de custos e perda de qualidade na prestação de serviços de saúde). E, também, ausência de definição clara das competências, atribuições e responsabilidades, detectada em 61% dos hospitais, e inadequação da estrutura organizacional (78% deles), com concentração de atividades em áreas sem condições materiais e/ou humanas para executá-las e má distribuição de atividades”, ressalta relatório.
Com efeito, o disciplinamento acerca do efetivo adequado de uma organização, com as responsabilidades e procedimentos claramente delineados, favorece o cumprimento de sua missão e o alcance de seus objetivos, bem como o gerenciamento dos riscos e a eficácia dos controles. Do contrário, além do prejuízo à celeridade dos processos licitatórios, com sobreposição de funções, execução inadequada e retrabalhos, a área fica suscetível a erros que podem, inclusive, resultar em dano ao erário.
O ministro José Jorge fez também algumas considerações a respeito dos pontos observados em relação à “integridade e valores éticos”, um dos elementos integrantes do ambiente interno. Constatou-se que, apesar de 96% dos hospitais adotarem o Código de Ética Profissional do Servidor Público, há ausência ou deficiência na efetiva gestão de ética em 78% deles. “Tal carência é representada, para os fins desta auditoria, pela ausência de criação formal de comissão de ética com condições de trabalho para assegurar o cumprimento de suas funções e de estabelecimento e divulgação de canais formais para recebimento de denúncias”, apontou. Embora 57% das entidades tenham criado formalmente suas comissões de ética, em 52% delas falta efetiva divulgação e promoção da ética; e em 35% não há canais para recebimento de denúncias.
Demonstram os dados que 87% dos hospitais não possuem código de ética próprio e, conforme entendeu a equipe de auditoria, uma vez que os HUs têm características peculiares, por desempenharem funções de educação e de fornecimento de serviço público de saúde. “Com efeito, há que se definir exatamente a conduta esperada, em termos de integridade e valores éticos, de todas as pessoas integrantes da instituição, motivo por que códigos de conduta devem ser formalizados e comunicados a toda organização. Da mesma maneira, ações disciplinares, para as não conformidades, devem ser estabelecidas, comunicadas e gerenciadas consistentemente. De outra forma, pode grassar o sentimento da impunidade”, explica o relatório.
Atividades de controle
As atividade de controle consistem em políticas e procedimentos adotados e de fato executados, para atuar sobre os riscos, de maneira a contribuir para que os objetivos da organização sejam alcançados dentro dos padrões estabelecidos. Elas incluem uma gama de controles preventivos e detectivos como a formalização de procedimentos, supervisão direta, segregação de funções, controles gerenciais e acompanhamento da atividade, revisões independentes, prevenção de fraudes e conluios, rotatividade de funções, procedimentos de autorização e aprovação e controle de acesso a recursos e registros.
A auditoria apontou que se ressentem os Hospitais Universitários de práticas e ações efetivas para prevenirem riscos e otimizarem o desempenho. “No que tange à formalização de procedimentos, ausência, em 61% dos hospitais, de normas ou manuais para a realização das principais atividades envolvidas nas licitações, sendo que 13%, apesar de os possuírem, mostraram-se deficientes ou pouco detalhados. As razões apontadas para o fato foram a cultura de realização das atividades conforme a tradição e poucas medidas gerenciais tendentes à elaboração dos manuais”, afirma o trabalho.
No tocante à supervisão direta, 70% dos hospitais não possuem sistemática de revisão dos trabalhos e em 57% não há comunicação clara das funções e responsabilidades aos servidores do setor. No Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina, e no Hospital Universitário de Brasília, por exemplo, não há sequer definições claras acerca das competências da própria área de licitações e contratos, quanto mais das atribuições dos servidores.
Em relação à execução dos controles legais (conjunto de regras legais, normativas, e jurisprudenciais), várias irregularidades fragilizam a segurança das aquisições e contratações realizadas pelos HUs, possibilitando, dentre outros, a ocorrência de compras desvantajosas, prestação de serviço deficiente, pagamentos indevidos, fraudes e conluios. A mais frequente foi a ausência ou insuficiência de pesquisa de preço (41% dos processos licitatórios e 54% das contratações diretas), com casos extremos como o do Hospital Universitário Onofre Lopes, no Rio Grande do Norte, onde 94% dos pregões analisados não foram precedidos de pesquisa de preço.
Considerando-se conjuntamente as licitações e as compras diretas, em 24% dos processos verificou-se caracterização inadequada do objeto; em 69%, existência de pareceres técnicos e/ou jurídicos inadequados, inconsistentes ou incoerentes; em 34%, ausência de orçamento detalhado com a composição dos custos unitários; e, em 65%, ausência de estudos técnicos prévios aos projetos básicos. “Vulnerando a gestão de contratos nos HUs, detectou-se ausência de indicação de fiscal do contrato em 22% dos processos analisados e a inadequação ou insuficiência da fiscalização ou do acompanhamento em 38% dos casos”, expõe relatório.
A situação encontrada foi creditada, essencialmente, a dificuldades operacionais (ausência de manuais e normas que padronizem as atividades do setor; ausência de revisão das cotações e pesquisas de preços, inadequação do cadastro de fornecedores; mercado restrito de empresas especializadas na área de equipamentos hospitalares, gerando dificuldade na obtenção de cotações de preços; falta de interesse dos fornecedores de responder pedidos de cotação apenas para compor uma estimativa de preços para futura licitação) e à insuficiência de recursos humanos.
Além disso, falha substancial detectada na área auditada, demonstrando grave deficiência nos controles gerenciais das atividades, foi a ausência de planejamento e controle dos produtos e serviços contratados pelas entidades (45% dos hospitais visitados). Em 27%, não há controle do andamento dos contratos de serviços continuados e em 41% não há controle das aquisições feitas. Um dos efeitos indesejáveis decorrentes desse contexto é a ocorrência de contratações emergenciais. Do total de processos de dispensa de licitação analisado, 26% deles tiveram, como fatos geradores, a instauração intempestiva do procedimento licitatório e/ou a ausência de planejamento gerencial para a aquisição.
A auditoria constatou que em 41% dos hospitais não se realiza a análise dos licitantes; em 29% não se analisa as propostas e em 14% não se analisa as alterações contratuais. “A ausência dessas análises preventivas pode gerar inúmeros resultados nefastos, como a contratação direta indevida, contratação com empresa desqualificada tecnicamente, obtenção de objeto que não atende plenamente às características desejadas, não obtenção da proposta mais vantajosa, sobrepreço e superfaturamento, conluio de licitantes e fraude à licitação, algumas com grandes prejuízos ao erário. Faltam às instituições, além de normas e manuais que detalhem os procedimentos a serem adotados, treinamento específico dirigido à identificação de fraudes, conluios e demais ilícitos nas licitações e contratos”, ressalta o ministro relator.
Segundo José Jorge, lamentavelmente, a situação encontrada não inspira segurança no ambiente organizacional da área de licitações e contratos dos hospitais. “É importantíssimo, assim, que haja, por parte dos órgãos centrais competentes, bem assim dos próprios HUs e das universidades federais, a adoção de providências que permitam o zelo pela boa e regular gestão das aquisições e contratações, a fim de se evitar a ocorrência de eventuais esquemas danosos que atentem contra o interesse público.
Recomendações
Para diminuir as falhas, o TCU recomendou ao Ministério da Educação que fomente políticas de valorização da gestão de ética, no âmbito das universidades federais, bem assim dos hospitais universitários, destacando, no que couber a cada ente, a importância da divulgação interna do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, da criação formal de comissão de ética com condições de trabalho que assegurem o cumprimento de suas funções e documentação que registre seu funcionamento, e do estabelecimento e divulgação de canais formais para recebimento de denúncias.
Além disso, a Pasta deverá avaliar a pertinência e a conveniência da elaboração de um modelo básico de código de normas de conduta ética a ser adaptado, considerando as peculiaridades de cada hospital universitário, e implementado por essas unidades hospitalares e orientar as entidades sobre a necessidade da elaboração de normativos que estabeleçam claramente competências e atribuições das diversas áreas organizacionais e definam com precisão as responsabilidades dos servidores, empregados e colaboradores daquelas entidades.
O Tribunal determinou ainda que o MEC ressalte a relevância da definição, no que tange às unidades de auditoria interna das universidades federais, da lotação ideal do quadro de pessoal de forma a poderem desempenhar com efetividade as suas atribuições, considerando, se possível, a criação de subunidades dedicadas exclusivamente a determinadas unidades gestoras.
A Corte também apontou a necessidade de elaboração de normas ou manuais definindo os procedimentos a serem adotados na execução das principais atividades relacionadas às áreas de compras, licitações e contratos, com especial destaque para os procedimentos que devem ser executados. Os itens que devem ser verificados são a previsão de identificação dos responsáveis pela execução, revisão e supervisão dos procedimentos, e, a rotina de análise crítica dos licitantes, das propostas e das alterações contratuais, bem como procedimentos destinados a verificar sistematicamente a possibilidade de ocorrências que possam comprometer o caráter competitivo dos certames licitatórios, a exemplo de relacionamentos inadequados entre concorrentes.
Fonte: Portal Contas Abertas
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