terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Créditos adicionais especial e/ou suplementar mediante excesso de arrecadação de convênios, contratos de repasse e demais instrumentos congêneres.

Por: Silvio Leônidas *


É possível a abertura de créditos adicionais especial e/ou suplementar provenientes de recursos oriundos de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferências fundo a fundo, mediante excesso de arrecadação após a assinatura do referido instrumento jurídico, assegurado o recebimento de tal recurso no exercício?

Exordialmente, os créditos especiais ocorrem quando um determinado Programa/Projeto/Atividade não foi contemplado na Lei Orçamentária em execução. Nesse caso, trata-se de incluir um Programa/Projeto/Atividade no orçamento, o qual, por não ser do conhecimento do Poder Legislativo, somente poderá ocorrer por meio de lei. Dessa forma, o interessado − no caso, o Poder Executivo − deve encaminhar o pedido ao Poder Legislativo, devidamente justificado, inclusive com a informação da fonte que financiará esse aumento.

Os créditos suplementares são destinados ao reforço de dotações orçamentárias. Assim, esse tipo de crédito se aplica a situações em que a previsão inicial da dotação, no transcorrer da fase de execução orçamentária, demonstra não ser suficiente para fazer frente às despesas necessárias. Nesse caso, faz-se um reforço da dotação orçamentária, aumentando a dotação disponível.

De acordo com ALBUQUERQUE, Claudiano; MEDEIROS, Marcio; FEIJÓ, Paulo H. Gestão de finanças públicas, 2ª ed. Brasília: Edição do Autor, 2008, p. 207, “o orçamento não deve ser uma “camisa de força” que obrigue aos administradores seguirem exatamente aquilo que está estabelecido nos programas de trabalho e naturezas de despesas aprovados na lei dos meios”. (GRIFOS E DESTAQUES NOSSOS)

O orçamento como processo é contínuo, dinâmico e flexível, se assim não fosse, certamente despesas desnecessárias seriam realizadas e outras despesas importantes ficariam sem recursos para a sua execução.

A operação de abertura de crédito adicional especial e/ou suplementar está prevista na Lei Federal n. 4.320/64, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro.

A propósito, reza o artigo 41, da Lei Federal:

Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em:
I – SUPLEMENTARES, os destinados a reforço de dotação orçamentária;
II - ESPECIAIS, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;

No tocante ao processamento de abertura de crédito adicionais especial e/ou suplementar, reportamos ao art. 42 do diploma legal federal já citado, que reza:

art. 42. os créditos SUPLEMENTARES e ESPECIAIS serão autorizados por lei e abertos por decreto executivo.

Para a consecução da operação em exame, a lei impõe a existência de prévia autorização legislativa e a expedição de decreto emanado do Poder Executivo.

Prosseguindo em análise, segue abaixo o art. 43, da Lei Federal n. 4.320/64, de 17 de março de 1964, também aplicável ao caso em tela, senão vejamos:

Art. 43. A abertura de créditos SUPLEMENTARES e ESPECIAIS depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer à despesa e será precedida de exposição justificativa.
§ 1º ─ Consideram-se recursos para o fim desse artigo, desde que não comprometidos:
[...]
II - os provenientes de excesso de arrecadação;
[...]
§ 3º ─ Entende-se por excesso de arrecadação, para os fins desse artigo, o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês, entre a arrecadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência do exercício.

Da leitura dos dispositivos citados e reproduzidos, verifica-se que os recursos oriundos de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferências fundo a fundo não constam textualmente como fontes para abertura de créditos adicionais. É que tais recursos, quando não previstos na LOA ou estimados em valor inferior ao realizado, resultarão em excesso de arrecadação, que é uma das fontes previstas no art. 43, apta a lastrear a abertura de créditos adicionais.

Sobre o tema citamos o Processo nº TC-2791/2004, que originou o Parecer/Consulta TC-028/2004, de relatoria do Conselheiro Mário Alves Moreira, aprovada, por unanimidade, pelos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (www.tce.es.gov.br › wp-content › uploads › 2017/06), em sessão realizada no dia 06/07/2004, vejamos:

RECURSOS DE CONVÊNIO - UTILIZAÇÃO COMO FONTE PARA ABERTURA DE CRÉDITOS SUPLEMENTARES OU ESPECIAIS - POSSIBILIDADE - OBSERVÂNCIA DAS CONDICIONANTES DO INCISO V DO ARTIGO 167 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA E INDICAÇÃO DOS RECURSOS CORRESPONDENTES.
[...]
Portanto, vê-se que os créditos provenientes de recursos de convênios por sua natureza também devem ser considerados como fonte distinta de recursos para abertura de créditos adicionais, o que está reconhecidamente expresso pelas tentativas de evolução legislativa. Mas conforme já afirmamos inicialmente, enquanto ainda omisso o ordenamento, é possível acorrer-se ao mandamento constitucional, que aponta a possibilidade de abertura de crédito suplementar ou especial quando houver autorização legislativa e indicação dos recursos correspondentes. Vejamos o teor do citado dispositivo, que deve ser interpretado a contrário sensu: Art. 167. São vedados: [...] V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; Em nome do princípio da razoabilidade e da eficiência da Administração Pública, e ainda considerando a importância dos recursos advindos dos convênios para as administrações municipais e estaduais e para os mais diversos setores sociais e econômicos - dos quais se destacam os da saúde, da educação e da infra-estrutura - não seria coerente concluir pela impossibilidade de sua utilização pelo simples fato de não existir disposição infraconstitucional quanto ao assunto. Reconhece-se a necessidade de a lei complementar prevista no §9º do art. 165 da CR tratar de forma mais minudente a matéria. Entretanto, enquanto ausente no universo jurídico referida regulamentação e não havendo qualquer vedação expressa na Lei Federal n.º 4.320/64 quanto à utilização desta espécie de recursos como fonte para abertura de crédito suplementar ou especial, resta reconhecer a possibilidade auferida da redação do art. 167, V, da CR. CONCLUSÃO Deste modo, considerando o ordenamento pátrio aplicável ao presente caso e a fundamentação exposta, e ainda tendo em vista a atual defasagem do texto da Lei Federal n.º 4.320/64, opinamos para, no mérito, responder pela possibilidade de utilização dos recursos de convênio como fonte para abertura de créditos suplementares ou especiais, observadas as condicionantes do inc. V do art. 167 da CR [autorização legislativa e indicação dos recursos correspondentes].

A esse respeito, colacionamos ainda trecho da resposta dada à Consulta n. 873.706, da relatoria do Conselheiro Cláudio Terrão, aprovada, por unanimidade, pelo Tribunal Pleno do TCE/MG (revista1.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/2283.pdf), na sessão do dia 20/06/2012, in verbis:

CONSULTA - TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS - ABERTURA DE CRÉDITOS ADICIONAIS - UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PROVENIENTES DE "EXCESSO DE ARRECADAÇÃO DE CONVÊNIOS" (ART. 43, II, § 1º, DA LEI N. 4.320/64) - POSSIBILIDADE - AUTORIZAÇÃO POR LEI E ABERTURA POR DECRETOEXECUTIVO - VINCULAÇÃO DO RECURSO FINANCEIRO AO OBJETO PACTUADO - DECISÃO UNÂNIME. Nas transferências voluntárias de outras entidades políticas, é correta a utilização do "excesso de arrecadação de convênios" (art. 43, inciso II, § 1º, da Lei n. 4.320/64) como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais, ainda que o excesso estimado no momento da abertura dos créditos não se concretize em excesso de arrecadação real. Ressalte-se que o gestor deverá sempre observar o disposto no art. 42 da Lei n. 4.320/64 c/c o art. 25, § 1º, da LRF, bem como manter a vinculação dos recursos financeiros ao objeto pactuado (art. 25, § 2º, da LRF).
[...] embora possa haver alguma dificuldade de interpretação na utilização da nomenclatura “excesso de arrecadação de convênios”, tal acepção se afigura adequada para definir os recursos orçamentários, oriundos de convênio, que servirão como fonte de recursos para a abertura de créditos adicionais, ainda que não haja efetivamente, no exercício, arrecadação de receita superior à prevista.
De toda sorte, não havendo previsão originária na LOA, ou sendo essa insuficiente quanto à estimativa de receitas de convênios e à projeção das despesas para o cumprimento de seus objetos, a fonte de recursos a ser utilizada para a abertura dos créditos adicionais, especiais ou suplementares, deve ser o excesso de arrecadação estimado, conforme definido na parte final do § 3º do art. 43, da Lei 4.320/64.

Na verdade, o Município pode utilizar essa fonte, tendo em vista que, em princípio, não havia previsão orçamentária de arrecadação de convênio e, no decorrer do exercício financeiro, houve a celebração de ajuste dessa natureza e, consequentemente, a estimativa ou o ingresso de recursos a esse título. Quanto à realização da despesa, caso não haja dotação orçamentária necessária ao cumprimento do objeto do convênio, abre-se crédito especial e/ou suplementar.

E mais: é necessário enfatizar que as despesas decorrentes de créditos adicionais autorizados e abertos com lastro nos recursos decorrentes de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferência fundo a fundo devem relacionar-se, estritamente, às finalidades estipuladas no instrumento do ajuste celebrado, não podendo ser utilizados em outros objetivos sob pena de responsabilização do agente público em face da malversação dos recursos destinados pela entidade convenente.

Cumpre destacar que os créditos adicionais, abertos tendo como fonte de recursos a receita de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferência fundo a fundo, devem evidenciar o cumprimento das exigências legais dispostas no parágrafo único do art. 8º, combinado com o inciso I do art. 50 da Lei Complementar n. 101, de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, que determinam a necessidade da demonstração e individualização dos recursos vinculados a finalidade específica.

Com efeito, o parágrafo único do art. 8º da LC n. 101 de 2000 dispõe que “os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.”

Por sua vez, o inciso I do art. 50 do referido diploma legal estabelece que “a disponibilidade de caixa constará de registro próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada.”

Dessa forma, ocorrendo a celebração de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferência fundo a fundo não previstos inicialmente na Lei Orçamentária Anual, os recursos correspondentes serão demonstrados no Balanço Orçamentário na coluna "Previsão Atualizada" e a efetiva arrecadação dos recursos oriundos de tais ajustes na coluna "Receitas Realizadas". Por outro lado, os créditos adicionais abertos com os recursos vinculados decorrentes de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferência fundo a fundo não previstos constarão da coluna "Dotação Atualizada" e as despesas executadas referentes a esses ajustes serão demonstradas na coluna "Despesas Empenhadas".

Isto posto, não resta a menor dúvida de que inexiste qualquer óbice para a prática aventada, uma vez que foram atendidas todas as exigências da legislação federal e municipal pertinente à matéria.

Sobre a temática, vale ressaltar que normalmente o processo licitatório acaba sendo iniciado logo após a assinatura do referido instrumento jurídico, e consequentemente, para emissão da ordem de serviço/compra, deve haver prévio empenho para tal. Contudo, havendo um convênio/ajuste assinado e a garantia de recebimento de tal recurso no exercício (o que acarretaria um excesso de arrecadação na fonte "XYZ"), vislumbra-se lastro para emissão do empenho, visto que o ingresso de tal recurso restaria assegurado. Ao final do exercício, verificando-se que tal recurso não foi transferido na mesma proporção que o crédito especial e/ou suplementar por excesso de arrecadação na fonte "XYZ", far-se ia imprescindível a anulação, em 31/12 do ano em curso, do valor residual na fonte "XYZ" (valor este reempenhado no início do ano seguinte, observando-se a respectiva fonte de financiamento). Tal procedimento (anulação do empenho) ocasionará a recondução do saldo empenhado para a dotação orçamentária especifica no ano subsequente, tão somente na permissibilidade do §2º, Art. 167 da CF (Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subsequente).

Destarte, o Sistema Financeiro/Contábil, deverá disponibilizar a inserção e controle do crédito especial e/ou suplementar proveniente de recursos oriundos de convênios, contratos de repasses, termos de fomento, auxílios, contribuições e/ou transferências fundo a fundo, sendo monitorizado/registrado de forma individualizada por instrumento jurídico, por fonte/destinação de recursos, e aprovação/publicação de Lei para crédito especial e Decreto para crédito suplementar.

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* Silvio Leônidas é contabilista atuante no setor governamental.

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