Por: Jonas Lima*
A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) assim estabeleceu a disciplina da inexigibilidade de licitações baseada em exclusividade:
"Artigo 74 — É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
I — aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos".
É evidente a diferença de redação desse texto em comparação com o artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.666/93, que redobrava a vedação por preferência de marca, mas também indicava meios de comprovar exclusividade por atestações de sindicatos, federações, confederações ou entidades equivalentes.
Essa mudança ocorreu porque o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos de controle identificavam, frequentemente, atestados de exclusividade ideologicamente falsos ou com informações limitadas ou direcionadas, que levavam a erros e disparidades em relação à realidade de cada mercado específico.
As situações de falsas justificativas para não licitar foram tantas que o TCU acabou editando a Súmula 255, nos seguintes termos:
"Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade".
Para dar segurança jurídica e confiabilidade às contratações não licitadas com base na figura da exclusividade, a corte de contas acabou adicionando um chamamento ao poder-dever de cautela do agente público, de conferir se realmente cada caso específico seria um verdadeiro caso de enquadramento na exceção à regra de licitar.
A supressão de indicação da atestados emitidos por entidades, do texto da nova Lei de Licitações, veio em linha com a jurisprudência, limitando a "quase indústria" de atestações de exclusividade, para dar mais amplitude de apuração da condição de exclusividade por diversos meios de prova.
Mas, infelizmente, a nova lei acabou repetindo falha grave herdada da Lei nº 8.666/93 ao não considerar que a via da não licitação por exclusividade de "produtor, empresa ou representante comercial exclusivos" não se coaduna com a dinâmica e a realidade dos mercados, em especial como se apresentam hoje, tão acessíveis por buscas simples e rápidas.
Convém lembrar que, desde os primeiros anos de aplicação da antiga Lei de Licitações, que está com os dias contados, as entidades que atestavam exclusividade possuíam tendência de dar uma espécie de testemunho sobre fornecedores de produtos ou serviços que fossem seus associados ou se limitando a tratar do mercado nacional. Aquelas atestações ainda não consideravam alguns produtos do mesmo mercado, de empresas não associadas, além de não conseguirem refletir as informações do amplo mercado de competidores estrangeiros.
Assim foram emitidos milhares de atestados de exclusividade, por anos seguidos, tratando de um mercado nacional, quando em outros países havia uma gama considerável de fabricantes e distribuidores de produtos e prestadores de serviços ou seus representantes.
De outro lado, a via dos contratos de exclusividade, documentos privados que são plenamente válidos, mas comprovando apenas uma condição comercial entre as partes, nunca foi capaz de dar uma certeza de que não haveria qualquer outro competidor para determinada demanda. Isso foi algo que gerou muitas contratações diretas ilícitas.
Não se questiona, de forma alguma, o contrato de exclusividade, mas a omissão da nova Lei de Licitações em estabelecer diretrizes para que, mesmo diante da exclusividade de representação comercial e até legal, que fosse feito sempre um estudo de mercado no Brasil e no exterior, isso a depender da escassez de fornecedores nacionais para atendimento a certa demanda.
Enfim, milhares foram as contratações não licitadas apoiadas nesse aspecto de exclusividade, que pode até ser essencial em situações de objetos cuja garantia dependa de peças originais que somente podem ser fornecidas ao Brasil por determinado canal de vendas, por exemplo, mas nunca houve regramento mínimo para conferir segurança às justificativas pela exclusividade.
Muitas foram as contratações diretas (não licitadas) de produtos militares, médico-hospitalares, de telecomunicações e outros apenas pela exclusividade, nas quais depois vinha à tona a informação, em processo de controle interno ou externo, de que havia potenciais competidores em outros países para aquelas demandas que pareciam ter como soluções contratar sempre o "único" fornecedor para o Brasil.
Por isso, com máxima vênia, na Lei nº 14.133/2021 o Congresso Nacional não atentou para a necessidade de fazer ressalvas sobre a via da inexigibilidade por exclusividade, pois é simplório para qualquer pessoa realizar uma busca no Google e outras ferramentas por termos como market report, key players, top manufacturers, para cada tipo de produto ou solução que pareça não ter competidores no Brasil além daquele "exclusivo".
Fica a sugestão de cautela, portanto, para que gestores públicos, na aplicação da nova Lei de Licitações, façam a instrução processual documentando bem a realidade do mercado para aquele tipo de produto ou serviço a ser contratado.
E considerem que muitos casos de exclusividade para não licitar precisam ser corrigidos para o rumo de licitações internacionais, que são obrigatórias, exatamente diante das limitações do mercado nacional.
* Jonas Lima é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público e Compliance Regulatório e sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2022, 8h00